CAMPO
A Alberto Martins de Carvalho
Este verde impossível de se ver,
Que alegre o camponês cultiva o prazo,
Não dá sequer para me aborrecer
Na extensão sem fim do campo raso.
Sem fim, a vida, deixa se correr
Lisa e fatal, serena, sem acaso.
E acontece o que tem de acontecer
Como quem já da vida não faz caso.
Nada se passa aqui de extraordinário:
Tudo assim, como peixe no aquário,
Sem relevo, sem isto, sem aquilo;
Muito bucólico a favor da besta,
O campo, sim, é esta coisa fresca…
Coaxar de rãs, a música do estilo.
ERROS MEUS A QUE CHAMAREI VIRTUDE
Erros meus a que chamarei virtude,
Por bem vos quero, e morro despedido
Sem amor, sem saúde, o chão perdido,
Erros meus a que chamarei virtude.
A terra cultivei, amargo e rude,
No sonho de melhor a ter servido;
Para ilusão de um palmo de comprido,
A terra cultivei, amargo e rude.
E o amor? A saúde? Eis os dois Lagos
Onde os olhos me ficam debruçados
— Azul e roxo, rasos de água os Lagos.
Mas direis, erros meus, ainda amores?
— São bonitos os dias acabados
Quando ao poente o Sol desfolha flores.
CABELOS BRANCOS
Cobrem-me as fontes já cabelos brancos,
Não vou a festas. E não vou, não vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E não vou, não vou.
Cabelos brancos, vá, sejamos francos,
Minha inocência quando os encontrou
Era um mistério vê-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avô.
Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;
E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doía vê-los ...
E fiquei sempre triste de criança.
RISO
Tive o jeito de rir, quando menino,
Até beber as lágrimas choradas:
Com carantonhas, gestos, desatino,
Passou a nuvem e os pequenos nadas.
A rir de escuridões, de encruzilhadas,
Tornei-me afeito logo em pequenino;
Porque ri é que trago as mãos geladas,
E choro porque ri do meu destino.
Vivi de mais num mundo idealizado
Comigo só: E só de mim descreio
Entornava-me riso a luz em cheio
Quando o meu mundo foi principiado;
Rio agora que não sei donde me veio
Sempre o mal que me trouxe o bem sonhado.
PAISAGEM ÚNICA
Olhas-me tu: e nos teus olhos vejo
Que eu sou apenas quem se vê: assim
Tu tanto me entregaste ao teu desejo
Que é nos teus olhos que eu me vejo a mim.
Em ti, que bem meu corpo se acomoda!
Ah! quanto amor por os teus olhos arde!
Contigo sou? — perco a paisagem toda...
Longe de ti? — sou como um dobre à tarde...
Adeuses aos casais dessas Marias
Em cuja graça o meu olhar flutua,
Tudo o que amei ao teu amor o entrego.
Choupos com ar de velhas Senhorias,
Castelo moiro donde nasce a Lua,
E apenas tu, a tudo o mais sou cego.
HORAS DE SAUDADE
Vou de luar em rosto, descontente:
Meus olhos choram lágrimas de sal.
— Adeus, terras e moças do casal,
— Adeus, ó coração da minha gente.
A hora da saudade é uma serpente:
Quero falar, não posso, e antes que fale
Ela enlaça-me a voz tão cordial
Que as coisas mais me lembram fielmente.
Olhos de amora, e uma ave na garganta
Para enfeitiçar a alma quando canta,
Moças com sua parra de avental;
Graça, Beleza, um verso sem medida,
A Saudade desterrou-me a vida ...
Sou um eco perdido noutro vale.
INSCRIÇÃO
Dos vastos horizontes me invocaram,
Noutras formas artísticas imersos,
Revoltos pensamentos que formaram
Todo o amor e pureza dos meus versos.
Melodias que os ventos orquestraram
Foram verbo dos átomos dispersos:
Palavras que meus olhos soletraram
Num indizível sonho de universos.
Foram aromas das fecundas messes:
Como se tu, ó Terra, mos dissesses
Numa profunda comunhão de mágoas.
Geraram-mos os génios das Montanhas
Na sua fé de catedrais estranhas,
Na panteísta devoção das Águas.
Fontes:
Luis Gaspar. Estúdio Raposa
http://www.estudioraposa.com/index.php/category/poetas/afonso-duarte/
Citador
http://www.citador.pt/poemas/a/afonso-duarte
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