quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) – N.° 4 – 17 de novembro de 1886.

Que será do novo banco?
Interroga toda a gente;
Respondem uns que um barranco,
Outros dizem que uma enchente.

Certo é que andaram milhares
De contos, contos e contos,
Uns por terra, outros por mares
Contos de todos os pontos.

Caíam como sardinhas,
Pulavam como baleias;
Aí belas ambições minhas!
Ai sonho, que me incendeias!

E o Holman, o forte e ledo
Inglês abrasileirado,
Contemplava o Figueiredo,
Que olhava, grave e barbado.

Supunha que muita gente
Viesse; mas gente tanta
Não cuidavam certamente...
Obra abençoada e santa!

Da empresa, ora começada,
Há quem diga maravilhas;
Muita idéia cogitada;
Ouro a granel, ouro em pilhas.

Circulação recolhida,
Câmbio a vinte e seis ou sete,
Mudança da antiga vida,
Outra cara, outro topete.

Ai, sonho! ai, diva quimera!
Pudesse eu entrar na dança!
Ai viçosa primavera!
Ai verde flor da esperança!

Nem eu, nem o meu compadre
Eusébio Vaz Quintanilha,
Que, por mais que corra e ladre,
Nenhum grande emprego pilha.

Que, para matar a fome,
Vem matá-la em minha casa,
Sem poder dizer que come,
Mas que destrói, mata, arrasa.

Pobre Quintanilha! Um anjo!
Coitado! Afinal parece
Que lá teve algum arranjo
Que lhe dá certo interesse.

Há já dias que o não via;
Onde iria o desgraçado?
Quem sabe se morreria,
Faminto, desesperado?

Eis que ontem, quando passava
Pela rua da Quitanda,
E nos negócios cismava
Desta Gazeta de Holanda,

Lá no outro lado da rua
Uma figurinha pára;
Trazia a cabeça nua,
Bacia, opa e uma vara.

Era o pobre... Deu comigo
E veio, em quatro passadas,
Ao seu delicado amigo
Apertar as mãos pasmadas.

— “És andador de irmandade?
Aprovo os teus sentimentos
De devoção, de piedade...
Toma um níquel de duzentos”.

— “Não, Malvólio, não, não ando
Como um andador professo...”
— “Andador de contrabando?”
— “Também não; ouve, eu t’o peço.

“Esta opa, esta bacia
Alugo a alguma Irmandade:
Dou cinco mil réis por dia,
E corro toda a cidade.
“Varia o lucro, segundo
Dou mais ou menos às pernas;
Não escandalizo o mundo
E mato as fomes eternas.

“Rende-me oito ou nove, e há dias
De dez mil réis, dez e tanto.
Crês? Já faço economias,
Já deito algum cobre ao canto.

“É este o meu banco. O fundo
É variável, mas certo;
Deus dá banco a todo o mundo;
Uns vão longe, outros vão perto.

“Eu cá não ando com listas
De ações, nem faço rateio;
Todos são meus acionistas,
Gordo ou magro, lindo ou feio.

“Que um só vintém esmolado
Vale no céu muitos contos;
E há muito vintém cobrado...
Vinténs de todos os pontos!”

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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