Temos nova passarola,
De grandes asas escuras,
Mexidas por certa mola
Que dá sono às criaturas.
Chama-se — não sei maneira
De pôr este nome em verso...
Palavra, é grande canseira,
Tão duro é ele e reverso.
Deito sílabas de lado,
De outro sílabas arranco,
Trabalho desesperado
E fica o papel em branco.
Vá lá: medicina hipnótica,
Custou, mas saiu... Parece
A cousa um tanto estrambótica,
E mais se a gente adoece.
Notem bem — é medicina,
Posto a sugestão opere;
Cá o meu bestunto opina
Que um nome de outro difere.
Há em sugestão um jeito
Teórico feio, enigmático;
Mas medicina é perfeito,
Perfeito, rápido e prático.
Quando aqui há poucos anos,
Já me não lembra em que dia,
Deu entrada entre os humanos
A exata dosimetria,
Disse eu: “Invenção potente!
Perfeição do formulário!
Consolação do doente!
Fortuna do boticário!”
Mas daí a pouco ouvia
(Outro inimigo da métrica)
Em vez de dosimetria,
Medicina dosimétrica.
E isso que cuidava que era
Farmácia, era uma doutrina.
Uma escola em primavera
Contra a velha medicina.
Não digo que o sugestivo
Hipnotismo também seja
Ária sobre outro motivo,
Nem igreja contra igreja.
Digo... Não sei como diga...
Não sei como diga... Ai, musa
Do diabo e de uma figa!
Você ri! você abusa!
Digo (vá) digo que, quando
Cuidava que esta matéria,
Da qual não estou mofando,
Que é séria, três vezes séria,
Não pelas razões do grave
Apóstolo, que cogita
Não fazer dela uma chave
P'ra prender moça bonita;
Como se amor não tivesse
Outra sugestão nativa,
Que, quando menos parece,
Faz arder o esquivo e a esquiva.
Quando (como ia dizendo)
Supunha que a academia,
Por sua vez, lendo e vendo,
Ia explicar a teoria;
Que visse os graves problemas
Envoltos na descoberta,
E como antigos sistemas
Passam a questão aberta;
Que, como órgão da ciência,
Examinasse, estudasse
A vontade e a consciência
Pela novíssima face;
Que visse como a pessoa
Humana se multiplica,
Vai a Túnis e a Lisboa,
E cá reside, e cá fica;
Em vez disso,a academia
Dá-lhe duas passadelas
De escova, e manda a teoria
Curar as nossas mazelas.
Isto é que me põe os braços
Caídos, e a boca aberta...
E já daqui vejo os passos
Desta nova descoberta.
Atrás dos homens sabidos
Virão os que nada sabem,
E gritarão desabridos
Até que os astros desabem.
Chegaremos aos cartazes
E aos anúncios de vinhetas,
Pílulas Holloway capazes
De dar beleza às caretas.
Ora, há trinta anos havia
Xarope que se chamava
Do Bosque, e tanto valia,
Que tudo e algo mais curava.
Hoje, esse licor exótico
Não tem uso, interno ou externo ...
Receio que o sono hipnótico
Chegue a tudo... e ao sono eterno.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
De grandes asas escuras,
Mexidas por certa mola
Que dá sono às criaturas.
Chama-se — não sei maneira
De pôr este nome em verso...
Palavra, é grande canseira,
Tão duro é ele e reverso.
Deito sílabas de lado,
De outro sílabas arranco,
Trabalho desesperado
E fica o papel em branco.
Vá lá: medicina hipnótica,
Custou, mas saiu... Parece
A cousa um tanto estrambótica,
E mais se a gente adoece.
Notem bem — é medicina,
Posto a sugestão opere;
Cá o meu bestunto opina
Que um nome de outro difere.
Há em sugestão um jeito
Teórico feio, enigmático;
Mas medicina é perfeito,
Perfeito, rápido e prático.
Quando aqui há poucos anos,
Já me não lembra em que dia,
Deu entrada entre os humanos
A exata dosimetria,
Disse eu: “Invenção potente!
Perfeição do formulário!
Consolação do doente!
Fortuna do boticário!”
Mas daí a pouco ouvia
(Outro inimigo da métrica)
Em vez de dosimetria,
Medicina dosimétrica.
E isso que cuidava que era
Farmácia, era uma doutrina.
Uma escola em primavera
Contra a velha medicina.
Não digo que o sugestivo
Hipnotismo também seja
Ária sobre outro motivo,
Nem igreja contra igreja.
Digo... Não sei como diga...
Não sei como diga... Ai, musa
Do diabo e de uma figa!
Você ri! você abusa!
Digo (vá) digo que, quando
Cuidava que esta matéria,
Da qual não estou mofando,
Que é séria, três vezes séria,
Não pelas razões do grave
Apóstolo, que cogita
Não fazer dela uma chave
P'ra prender moça bonita;
Como se amor não tivesse
Outra sugestão nativa,
Que, quando menos parece,
Faz arder o esquivo e a esquiva.
Quando (como ia dizendo)
Supunha que a academia,
Por sua vez, lendo e vendo,
Ia explicar a teoria;
Que visse os graves problemas
Envoltos na descoberta,
E como antigos sistemas
Passam a questão aberta;
Que, como órgão da ciência,
Examinasse, estudasse
A vontade e a consciência
Pela novíssima face;
Que visse como a pessoa
Humana se multiplica,
Vai a Túnis e a Lisboa,
E cá reside, e cá fica;
Em vez disso,a academia
Dá-lhe duas passadelas
De escova, e manda a teoria
Curar as nossas mazelas.
Isto é que me põe os braços
Caídos, e a boca aberta...
E já daqui vejo os passos
Desta nova descoberta.
Atrás dos homens sabidos
Virão os que nada sabem,
E gritarão desabridos
Até que os astros desabem.
Chegaremos aos cartazes
E aos anúncios de vinhetas,
Pílulas Holloway capazes
De dar beleza às caretas.
Ora, há trinta anos havia
Xarope que se chamava
Do Bosque, e tanto valia,
Que tudo e algo mais curava.
Hoje, esse licor exótico
Não tem uso, interno ou externo ...
Receio que o sono hipnótico
Chegue a tudo... e ao sono eterno.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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