Canto da terra
-
A terra do rouxinol
é roxa,
rocha exposta emergida
ferida - roncha.
A terra do curió
é branca,
sanca de amor brando
soando manca.
A terra da saracura
é muito escura,
faz cócegas num córrego
e dura.
A terra no canto,
canta
em pranto.
Chuva na serra
-
Após a chuva na serra
sopra aquele vento,
penetra no osso e gela a alma.
Mas a paz e a calma são sublimes
e transcendem.
Invade-me um vazio,
uma sensação de flutuar,
e por mais que te pegue,
sinta a pele e o braço,
é como se estivesse no ar
pétala por pétala.
A neblina deixa-me ver unicamente
um contorno de serra,
uma indefinição curvilínea...
Defronte a mim só uma imagem,
uma moldura impressionista,
e nada mais.
Emoção
-
Solta e rebelde vai a emoção
voa
visita estes recônditos mundos
inesperados e fascinantes
desperta a vontade
cria insanidades
e se desmancha pela cria
(que chora e esperneia);
mancha o papel de cores
combina amores
curte dissabores
e ronda a madrugada.
Solta e rebelde vai a emoção
não impõe limites
nada teme
sofre de tensão
sorri
sente calor
e calafrios.
Formas
-
A inércia que constrói o tédio
precisa ser vencida
e do atrito louco se desvencilha
entrando em erupção o vulcão
de formas e cores.
Formas ainda não concebidas
do objeto retraído
nas reentrâncias vastas,
do vasto mundo cerebral, incongruente;
que indolente, o Homem, ignora.
Misticizada e lírica
do prazer contrito
a magia oculta
se solta.
E a forma estranha, para o ser
despercebida, algures repousa
e surge mais tarde
no fim da tarde, talvez!
Global
-
Tem um apelo global junto a mim,
mas a minha pele ainda é local,
aninha-se numa árvore conhecida
onde crescem musgos após a chuva.
Quer suar no Saara e sonhar por miragens;
desfrutar os Fiordes, ser um lorde britânico,
mas não dispensa o balançar de rede
o vento soprando frio em noite de lua cheia.
Tem um mundo global que me faz chorar na Namíbia,
deixa-me distante, ouvindo circunspecto um som mongol,
sou oriental por um instante,
sinto-me repleto de Mahatmas:
transcendo,
mas tem um mundo local que a mim traz bem cedo
o cantar de um pintassilgo,
e a minha cama enche-se de êxtase.
Tem um mundo global que imanta os pólos
e desmancha os sonhos,
mas tem um mundo local que me toca de repente
deixa-me carente de você, cheio de amor.
Hábito
-
Se acordo cedo nas manhãs de domingo
não é porque vá viajar
nem tampouco tenha compromisso;
ninguém me chamou,
não tocou o telefone.
Se acordo cedo nas manhãs de domingo
é porque adoro ver o sol nascer
sentir aquela calma matinal
ouvir o curió que canta na casa ao lado;
ver as primeiras pessoas que passam:
o vendedor
o jornaleiro.
Se acordo cedo nas manhãs de domingo
é por força do hábito.
Lamparina
-
A lamparina acesa
clarão de choupana
brasa
incendiando o silêncio.
Filete de luar balançando ao vento
mil marionetes negras:
fantasmas das trevas.
O nada reintegrado ao pensamento:
carícia de tempo, carência de voz
dissolvendo a escuridão
sob o relento lento.
Mestre
-
O ancinho na mão do mestre
recolhe as folhas caídas
ao chão agreste.
Consumidas pelo tempo,
vencidas por um ciclo de vida
que as fez nascer.
O mestre olha cada folha e
reconhece o broto tenro de outrora,
que viçoso e verde despontara.
E segue o mestre na sua faina diária,
centenária!
Zunido
-
O guarda apitou no sinal;
os paralelepípedos sentiram o zunido
e trepidaram:
passaram homens correndo de tênis
velocípedes
quadrúpedes;
passaram cigarros, chapéus e menestréis
poetas e guerrilheiros
aves de arribação;
passaram peruas (quase nuas)
vozes
beijos;
passaram aos solavancos
saltimbancos
avós de quarentena
tamancos das mil e uma noites;
passaram carroças e troças
tigres de dente de sabre
(tigres de “bengala”)
jacas maduras;
passaram gatunos
diversos e unos;
passaram...
Fonte:
Goulart Gomes (organizador). Antologia do Pórtico.
-
A terra do rouxinol
é roxa,
rocha exposta emergida
ferida - roncha.
A terra do curió
é branca,
sanca de amor brando
soando manca.
A terra da saracura
é muito escura,
faz cócegas num córrego
e dura.
A terra no canto,
canta
em pranto.
Chuva na serra
-
Após a chuva na serra
sopra aquele vento,
penetra no osso e gela a alma.
Mas a paz e a calma são sublimes
e transcendem.
Invade-me um vazio,
uma sensação de flutuar,
e por mais que te pegue,
sinta a pele e o braço,
é como se estivesse no ar
pétala por pétala.
A neblina deixa-me ver unicamente
um contorno de serra,
uma indefinição curvilínea...
Defronte a mim só uma imagem,
uma moldura impressionista,
e nada mais.
Emoção
-
Solta e rebelde vai a emoção
voa
visita estes recônditos mundos
inesperados e fascinantes
desperta a vontade
cria insanidades
e se desmancha pela cria
(que chora e esperneia);
mancha o papel de cores
combina amores
curte dissabores
e ronda a madrugada.
Solta e rebelde vai a emoção
não impõe limites
nada teme
sofre de tensão
sorri
sente calor
e calafrios.
Formas
-
A inércia que constrói o tédio
precisa ser vencida
e do atrito louco se desvencilha
entrando em erupção o vulcão
de formas e cores.
Formas ainda não concebidas
do objeto retraído
nas reentrâncias vastas,
do vasto mundo cerebral, incongruente;
que indolente, o Homem, ignora.
Misticizada e lírica
do prazer contrito
a magia oculta
se solta.
E a forma estranha, para o ser
despercebida, algures repousa
e surge mais tarde
no fim da tarde, talvez!
Global
-
Tem um apelo global junto a mim,
mas a minha pele ainda é local,
aninha-se numa árvore conhecida
onde crescem musgos após a chuva.
Quer suar no Saara e sonhar por miragens;
desfrutar os Fiordes, ser um lorde britânico,
mas não dispensa o balançar de rede
o vento soprando frio em noite de lua cheia.
Tem um mundo global que me faz chorar na Namíbia,
deixa-me distante, ouvindo circunspecto um som mongol,
sou oriental por um instante,
sinto-me repleto de Mahatmas:
transcendo,
mas tem um mundo local que a mim traz bem cedo
o cantar de um pintassilgo,
e a minha cama enche-se de êxtase.
Tem um mundo global que imanta os pólos
e desmancha os sonhos,
mas tem um mundo local que me toca de repente
deixa-me carente de você, cheio de amor.
Hábito
-
Se acordo cedo nas manhãs de domingo
não é porque vá viajar
nem tampouco tenha compromisso;
ninguém me chamou,
não tocou o telefone.
Se acordo cedo nas manhãs de domingo
é porque adoro ver o sol nascer
sentir aquela calma matinal
ouvir o curió que canta na casa ao lado;
ver as primeiras pessoas que passam:
o vendedor
o jornaleiro.
Se acordo cedo nas manhãs de domingo
é por força do hábito.
Lamparina
-
A lamparina acesa
clarão de choupana
brasa
incendiando o silêncio.
Filete de luar balançando ao vento
mil marionetes negras:
fantasmas das trevas.
O nada reintegrado ao pensamento:
carícia de tempo, carência de voz
dissolvendo a escuridão
sob o relento lento.
Mestre
-
O ancinho na mão do mestre
recolhe as folhas caídas
ao chão agreste.
Consumidas pelo tempo,
vencidas por um ciclo de vida
que as fez nascer.
O mestre olha cada folha e
reconhece o broto tenro de outrora,
que viçoso e verde despontara.
E segue o mestre na sua faina diária,
centenária!
Zunido
-
O guarda apitou no sinal;
os paralelepípedos sentiram o zunido
e trepidaram:
passaram homens correndo de tênis
velocípedes
quadrúpedes;
passaram cigarros, chapéus e menestréis
poetas e guerrilheiros
aves de arribação;
passaram peruas (quase nuas)
vozes
beijos;
passaram aos solavancos
saltimbancos
avós de quarentena
tamancos das mil e uma noites;
passaram carroças e troças
tigres de dente de sabre
(tigres de “bengala”)
jacas maduras;
passaram gatunos
diversos e unos;
passaram...
Fonte:
Goulart Gomes (organizador). Antologia do Pórtico.
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