Na igreja matriz de Chaves existiu, em tempos, uma lápide, no colateral direito, com o seguinte epitáfio:
«Aqui jaz Maria Mantela
Com sete filhos ao redor dela».
Diz a lenda que rememora Maria Mantela que certa vez, era ela ainda menina, criticou severamente uma pobre que lhe pediu esmola, levando ao colo dois gêmeos. Anos mais tarde Maria Mantela casou e, passado tempo, engravidou.
Iniciado o trabalho do parto, quando a parteira lhe disse, depois de ter nascido o primeiro filho, que se esforçasse para sair o segundo, e o terceiro, e o quarto, e por aí fora até ao sétimo, a mulher ficou louca de vergonha.
Assim que recuperou o ânimo, pagou muito bem à parteira para que escondesse o fato de ter tido sete filhos gêmeos e entregou os recém-nascidos à serva que assistira aos nascimentos para que os deitasse ao rio. A criada, cheia de pena dos meninos, meteu-os num cesto e pôs-se a caminho do rio para cumprir o que lhe tinha sido ordenado. Não replicou ante a desumanidade do seu mandado porque bem sabia que isso só lhe podia valer aborrecimentos. Além de que a ama, no estado de espírito em que se encontrava, não lhe daria ouvidos, sendo provável até que lhe desse o mesmo fim que aos meninos.
Perto das Caldas de Chaves, assim entregue a estes pensamentos e com a asa do cabaz enfiada no braço, a serva encontrou o marido da sua senhora Maria Mantela, o qual lhe perguntou o que levava no cesto. Apanhada de surpresa, a pobre rapariga, depois de titubear umas palavras incompreensíveis, acabou por achar a solução:
- São cachorrinhos que eu vou deitar ao rio, senhor.
O amo, ou por curiosidade ou por já desconfiar de qualquer coisa, levantou a cobertura e percebeu. Pegou no cesto, pô-lo sobre o cavalo e disse à rapariga que fosse dizer à ama que estava cumprida a ordem.
Dali partiu com os filhos em busca de amas que os criassem. Deixou cada um em sua aldeia e durante muito tempo Maria Mantela não desconfiou que os meninos estavam vivos e se iam criando e educando.
Diz a lenda, ao mesmo tempo que especifica os nomes das igrejas, que estes sete meninos foram ordenados padres e viveram a sua vida em sete aldeias circunvizinhas de Chaves. E Maria Mantela viveu o resto da sua vida grata ao marido por ter aceite aqueles sete filhos de um só parto. E tanto os amou que exigiu descansar juntamente com os sete, no seu leito de eternidade:
«Aqui jaz Maria Mantela
Com sete filhos ao redor dela.»
Poderá parecer estranho ao nosso entendimento de homens do século XX o problema posto nesta lenda em que se fala de gêmeos que por serem devem morrer. Creio não errar ao dizer que o problema se funda em antigas crenças segundo as quais as mulheres honestas só podiam, e deviam, ter um filho de cada vez do seu marido. O fato de lhes nascer mais do que um filho no mesmo parto deveria pressupor desonestidade no seu comportamento e consequente desonra do marido.
Fonte:
Lendas Portuguesas da Terra e do Mar, Fernanda Frazão, disponível em Estúdio Raposa
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