A notícia da morte de Luís Lamento arrastou para as ruas milhares de pessoas. O choro coletivo inundou as cidades num abrir e fechar de olhos, feito rios transbordantes. Alguns grupos iniciaram saques e depredações. Porta-vozes do governo trataram de desmentir a tragédia, antes que os pequenos tumultos se transformassem em grandes distúrbios. Apesar disso, os mais radicais não desistiram de quebrar vidraças, incendiar carros e praticar toda a sorte de vandalismos. A maioria, porém, conteve as lágrimas e voltou para casa. E a polícia baixou o pau em cima dos descrentes. Presos alguns, feridos outros, no início da noite acabaram-se as escaramuças.
Na manhã seguinte, a imprensa noticiou amplamente os atos de anarquia praticados por grupos extremistas, sem se referir à morte de Lamento. Nos outros dias, voltaram à baila as guerras, os atentados, os furacões, tudo no estrangeiro, e os crimes passionais, os estupros, os furtos, cá entre nós.
– Sem pena de morte, isso nunca vai acabar.
– O negócio é mão de ferro.
– Uma ditadura.
Ninguém sabe de onde partiu o boato. Falava-se no desaparecimento de Luís Lamento. Cochichava-se nas esquinas, nos cafés, nos bares.
– Mataram mesmo?
– Não sei.
Corriam-se os olhos pelos jornais e nada de concreto. Procuravam-se jornalistas e todos se horrorizavam. Devia ser boato mesmo.
– O homem fugiu?
O governo nada esclarecia. Não pretendia exilar ninguém.
– Não terá fugido?
E o grande espanto da nação – Luís Lamento apareceu na televisão para negar sua morte.
Maior espanto, porém, seguiu-se a este: um panfleto lançado do alto dos edifícios falava em farsa e se referia ao homem que se apresentou ao público como sendo um imitador de Luís Lamento, palhaço vendido ao governo. O verdadeiro jazia numa cova rasa do presídio político.
E dessa vez a imprensa noticiou o desaparecimento de Lamento em variadas versões: enforcou-se com um cinto, bebeu veneno, cortou os pulsos, fugiu para o exterior, pediu asilo.
O verdadeiro assassinato de Luís Lamento ocorreu muito tempo depois. A notícia do fato, porém, não mereceu mais a crença de ninguém.
– É mentira.
Mesmo diante da fotografia do cadáver, o povo preferia acreditar noutras burlas.
– Ele não tinha esses olhos enormes.
Cada um criava a sua lenda: embarcou para a lua numa nave russa, fundou um império na pirosfera, virou macaco, adquiriu os poderes da transparência, dividiu-se em dois, agigantou-se e, de tanto crescer, passou a girar em torno do sol.
Fonte:
Nilto Maciel. Babel. Brasília/DF: Editora Códice, 1997.
Nenhum comentário:
Postar um comentário