terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Carolina Ramos (Bolha de Sabão)

  
Guilherme andava desconfiado. Pressentia algo de errado no ar. Uma vez mais, lhe haviam dito que Pai Noel chegaria na noite de Natal para comemorar o aniversário do Menino Jesus. Tudo bem. Mas... havia aquele toque de falsidade, que não afinava com a a harmonia do momento e, que não era capaz de explicar!

Por quê, aquele Pai Noel, querido em todo o bairro, desde que Guilherme se conhecera por gente, chegava sempre afobado à sua casa, lá pela hora da ceia, sem nunca, nunca mesmo, encontrar seu pai entre os familiares? Era muito estranho... Estranho mesmo!

Ao que tudo indicava, o pai de Guilherme não fazia a mínima questão de conhecer o Bom Velhinho. Um estava para chegar... e o outro sumia, sem que ninguém mais o visse até o final da festa!! Não era para estranhar?!

Naquela noite, Guilherme estava mais intrigado do que nunca. A barba branca do Papai Noel estava mais rala que nos anos anteriores e, os óculos, acima do nariz, tinham uma armação muito parecida, igual, mesmo, à dos óculos de seu pai! Coincidência, é claro! Mas... por quê aquela barba branca parecia agora tão rala?! Seria porque Papai Noel estava mais velho? Não poderia ser! Ora... se Papai Noel envelhecesse como qualquer mortal, àquela altura, já teria despencado de todo e estaria morto! Mortinho, como acontece com todo o mundo!

- Por que este peru não tem asas?!

- Seu boboca... isto não é um peru... é um "tender"! - Guilherme olhou o irmão, menor, do alto dos seus experientes nove anos de idade. Confundir um presunto saído do forno, com um peru sem asas, era demais! Pesou a ingenuidade do irmão pequenino e o seu senso de protecionismo aflorou: - cresceu mais um palmo, precisava defender o irmão da sua própria ignorância! Aquele Papai Noel, que a ambos queriam impingir e que já caíra no seu descrédito, era festejado com muito entusiasmo pela inocência do seu irmãozinho. Precisava desmascará-lo! Desconfiado, Guilherme ficou na tocaia, à espera do momento propício.

Com cuidado, aproximou-se do velho gorducho de botas negras e gorro vermelho, que animava a festa com sua alegria esfuziante. Chegou-se de manso, como gato malandro, pronto para dar o golpe. O alvo era aquela barba branca... rala, através da qual se insinuava um pescoço conhecido.

Assim que o velhinho, ruidosamente ergueu a taça para o brinde tradicional, Guilherme deu o bote, arrancando, num ímpeto, aquela barba branquinha que deixou a descoberto a cara risonha do próprio pai, que, logo não escondia o desapontamento causado pela audácia do filho!

- Ah!... Eu sabia! - o menino inflou o peito, vitorioso! Absoluto dono da verdade, ainda repetiu triunfante: - Eu sabia!... Papai Noel não existe!

Silêncio perturbador envolveu o ambiente. Era como se, de repente, aquela magia que enfeita o Natal e aquece a fantasia das crianças, houvesse explodido no ar, tala qual uma linda e irizada bolha de sabão, irremediavelmente furada pelo dedo atrevido de um garotinho precoce e contestador!...

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. 
2. ed. São Paulo: EditorAção, 2015.

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