quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) II


COMO QUEM NÃO TEM MAIS ONDE IR
(verso de Ana Margarida da Silva Ferreira)

Como quem não tem mais para onde ir
Fui buscar nas palavras o acalanto
Que lavem as poeiras do quebranto
Que me deram os anos de existir.

Qual bálsamo, poção ou elixir
As palavras trouxeram-me o encanto
Que eu havia perdido num recanto
Do canteiro que não chegou a abrir.

As palavras me envolvem como um véu
E do chão levam-me ao azul do céu
Num crescendo de sons e de magia.

E os dias, em fortuna, tão avaros
Fazem-se mais ridentes e mais claros
Quando me beija a sombra da Poesia.

O QUE SOMENTE UM LOUCO HÁ-DE SONHAR
(Verso de Fernando Valente Sobrinho)

O que somente um louco há-de sonhar
Uma criança alegre há-de sorrir
Um pobre velho e triste há-de pedir
E um gênio criativo há-de inventar.

Só o que um braço forte há-de alcançar
Uma vontade férrea há-de exigir
Um coração fraterno há-de servir
E a Virgem milagrosa há-de escutar.

Só irei confiar ao meu poema
O brilho puro que há num diadema
E o bem maior que houver dentro do peito.

Mas como é grande a minha pequenez
E de engenho é maior inda a escassez
O poema nunca há-de ser perfeito.

CAÍRAM, UMA A UMA, PELO CHÃO
(Verso de Glória Merreiros)

Caíram, uma a uma, pelo chão
As perlas que eu chorei e tu choraste
Nessa hora em que, triste, me abraçaste
Fugindo ao mundo vil da solidão.

Tão frágil, a sofrer, teu coração
Batia no teu peito feito haste
Ao vento dessa dor que recusaste
E punha o teu olhar na escuridão.

De amor puxei teu corpo contra o meu
E quando a força usada me doeu
Eu cri que os nossos braços deram nó.

Mais forte do que nunca o nosso abraço
Deixou entre nós dois tão pouco espaço
Que eu soube que no amor somos um só.

SINTO O SANGUE GELAR-SE-ME NAS VEIAS
(Verso de José Barreto)

Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
Quando no peito morre uma esperança
Ou se solta um cabelo de uma trança
Onde o ouro brilhava sem ter peias;

E quando a luz que havia nas ideias
Se extingue sem deixar qualquer herança
Que no futuro seja uma lembrança
Dos povos que cantaram epopeias.

E o meu corpo minado pelo frio
Ganha a dureza gélida de um rio
A que os polos dão alma de glaciar.

Sou branca massa de água deslizando
Que sobre um mar de mágoa abominando
Onde eu não sou capaz de me afogar.

Fonte: 
CARDOSO, Domingos Freire. Por entre poetas. 
Aveiro/Portugal: Edição do autor, 2016
(livro gentilmente enviado pelo poeta)

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