COMO QUEM NÃO TEM MAIS ONDE IR
(verso de Ana Margarida da Silva Ferreira)
Como quem não tem mais para onde ir
Fui buscar nas palavras o acalanto
Que lavem as poeiras do quebranto
Que me deram os anos de existir.
Qual bálsamo, poção ou elixir
As palavras trouxeram-me o encanto
Que eu havia perdido num recanto
Do canteiro que não chegou a abrir.
As palavras me envolvem como um véu
E do chão levam-me ao azul do céu
Num crescendo de sons e de magia.
E os dias, em fortuna, tão avaros
Fazem-se mais ridentes e mais claros
Quando me beija a sombra da Poesia.
O QUE SOMENTE UM LOUCO HÁ-DE SONHAR
(Verso de Fernando Valente Sobrinho)
O que somente um louco há-de sonhar
Uma criança alegre há-de sorrir
Um pobre velho e triste há-de pedir
E um gênio criativo há-de inventar.
Só o que um braço forte há-de alcançar
Uma vontade férrea há-de exigir
Um coração fraterno há-de servir
E a Virgem milagrosa há-de escutar.
Só irei confiar ao meu poema
O brilho puro que há num diadema
E o bem maior que houver dentro do peito.
Mas como é grande a minha pequenez
E de engenho é maior inda a escassez
O poema nunca há-de ser perfeito.
CAÍRAM, UMA A UMA, PELO CHÃO
(Verso de Glória Merreiros)
Caíram, uma a uma, pelo chão
As perlas que eu chorei e tu choraste
Nessa hora em que, triste, me abraçaste
Fugindo ao mundo vil da solidão.
Tão frágil, a sofrer, teu coração
Batia no teu peito feito haste
Ao vento dessa dor que recusaste
E punha o teu olhar na escuridão.
De amor puxei teu corpo contra o meu
E quando a força usada me doeu
Eu cri que os nossos braços deram nó.
Mais forte do que nunca o nosso abraço
Deixou entre nós dois tão pouco espaço
Que eu soube que no amor somos um só.
SINTO O SANGUE GELAR-SE-ME NAS VEIAS
(Verso de José Barreto)
Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
Quando no peito morre uma esperança
Ou se solta um cabelo de uma trança
Onde o ouro brilhava sem ter peias;
E quando a luz que havia nas ideias
Se extingue sem deixar qualquer herança
Que no futuro seja uma lembrança
Dos povos que cantaram epopeias.
E o meu corpo minado pelo frio
Ganha a dureza gélida de um rio
A que os polos dão alma de glaciar.
Sou branca massa de água deslizando
Que sobre um mar de mágoa abominando
Onde eu não sou capaz de me afogar.
Fonte:
CARDOSO, Domingos Freire. Por entre poetas.
Aveiro/Portugal: Edição do autor, 2016
(livro gentilmente enviado pelo poeta)
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