quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Carolina Ramos (Canto Interrompido)


O sol brincava e apagar sombras, na tarde em que aquele menino, igual a qualquer outro menino de cinco anos de idade, distraía-se em catar pedrinhas redondas, no chão da Galileia, não longe de sua casa.

Ao ouvir o pássaro que cantava num galho florido, estacou maravilhado.

As aves são esboços de anjos que Deus mandou à terra para enternecer os homens - é o que parecia afirmar o olhar daquele menino que começava a se fazer especial, incitando hipóteses.

As sonoridades do canto de um pássaro, a fantástica beleza multicolorida de suas penas têm algo intensamente angelical que sugere o paraíso. Quem terá servido de modelo a quem? Teriam os anjos inspirado Deus a criar as aves, ou teriam estas estimulado o Criador a idealizar os seres alados que seraficamente enfeitam os céus?

O menino, enlevado, não viu a pedra certeira que, num segundo, calou o canto do pássaro. Viu-o, sim, tombar inerte ao solo. Largando seus seixos rolados, correu para ele.

Havia perplexidade, havia tanta dor e recriminação no olhar magoado daquele menino! E havia, também, algo estranhamente indefinível que pôs em fuga os agressores da avezinha que estertorava.

Quando a criança chegou junto à mãe, a ave estava morta.

A meiguice dos braços maternos empenhavam-se em consolar o filho, inconformado, cuja angústia indagava: - "Por quê?!... por quê aqueles homens malvados mataram meu pássaro? Ele era bom. Tão feliz!... Ele não fazia mal a ninguém!"

A mãe, coração traspassado por infinita tristeza, acariciou os cabelos do filho. Como a querer protegê-lo, abraçou-o com ternura, murmurando, de olhos voltados para o amargo amanhã:

- "Os homens não são maus, meu Filho, não são... apenas não sabem o que fazem... e nem o que farão!" - completou num sussurro.

As lágrimas dAquele Menino deslizaram de manso caindo sobre o corpinho mole, ainda morno, da avezinha ensanguentada. Então, o pássaro, sacudindo as penas, cheio de vida, voou para o galho mais próximo. E, como se perdoasse, por inteiro, a maldade humana, retomou, feliz, o canto interrompido!

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. 2. ed. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.

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