sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Mário Quintana em Prosa e Verso 3


DO IMPOSSÍVEL CONVÍVIO

O mais trágico dessas reuniões sociais é que elas são compostas unicamente de terceiros.

A ESFINGE

Na volta da esquina encontrei a Esfinge.

Petrifiquei-me. Ela me disse então, olhando-me nos olhos:

- Devora-me ou decifro-te!

ELA

Mas que haverá com a Lua, que, sempre que a gente a olha, é com um novo espanto?

SEU VERDADEIRO CRIME

O que eles jamais perdoaram a Oscar Wilde é que ele era profundo sem ser chato.

FATALIDADE

O que mais enfurece o vento são esses poetas inveterados que o fazem rimar com lamento.

CAMUFLAGEM

A esperança é um urubu pintado de verde.

SER E NÃO SER

Para algo existir mesmo - um deus, um bicho, um universo, um anjo... - é preciso que alguém tenha consciência dele. Ou simplesmente que o tenha inventado.

A ESCRITA

Um trouxe a mirra, o outro o incenso, o terceiro o ouro.

Incenso e mirra evaporaram-se... Mas e o ouro?

Os textos nada dizem quanto à aplicação do ouro.

NA SOLIDÃO DA NOITE

Os velhos espelhos adoram ficar no escuro das salas desertas. Porque todo o seu problema, que até parece humano, é apenas o seguinte: - reflexos? ou reflexões?

A MESTRA E OS ALUNOS

Dizem que a História é a mestra da vida. Mas como é que os seus protagonistas incorrem sempre nos mesmos erros? Não lhes aproveitou em nada o exemplo dos antecessores reprovados.

PEQUENA TRAGÉDIA BRASILEIRA

A Bem-Amada queria devorar o coração do Poeta.

- Não, - disse ele - só terás um pedacinho... Porque noventa por cento pertence aos Editores.

ÓPERA

"Diz isso cantando!" Lembram-se desse ditado? A Ópera levou esse ditado a sério.

EXAME DE CONSCIÊNCIA

Se eu amo a meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?

DOS LIVROS

Há duas espécies de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores.

Fonte:
Mário Quintana. Caderno H. Porto Alegre/RS: Globo, 1973.

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