segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Malba Tahan (A Raposa e a Vinha)


Recompensou-me o Senhor segundo a minha justiça, retribuiu-me segundo a pureza de minhas mãos.
Porque guardei os caminhos do Senhor; nem pecando me afastei do meu Deus.
Davi

Uma raposa se pusera a namorar avidamente uma vinha tão bem cercada que não havia brecha por onde entrasse. Deu voltas e mais voltas, até que topou com um resquício da cerca entre os mourões. Lança-se por ele, impetuosamente, mas era tão estreito que mal pôde colocar a cabeça. Esforça-se daqui, tenta dali, mas tudo em vão. Veio-lhe, então, à ideia um plano singular: “Se eu pudesse”, monologava ela, “emagrecer bastante passaria por esta brecha.” 

Resolvida a vencer a prova, submeteuse a um estranho teor de vida: ficou três dias sem provar alimento, e pôs-se tão fina e magrinha que mais parecia um palito. Toda satisfeita com o sucesso, esgueira-se pelo delgado vão e entra radiante na vinha. Ali pôde recompensar-se de tudo quanto sofrera e passou alguns dias na mais regalada abundância.

Chegado o tempo de sair, receosa dos donos do vinhedo que não podiam tardar, corre à brecha por onde entrara e tenta meter-se por ela. Aconteceu, porém, que a infortunada, naqueles poucos dias de regabofe, engordara tanto que não mais cabia ali. Mais triste do que um mocho, desiste do intento e resolve repetir a provação por que passara, pondo-se de novo em rigoroso jejum até que, novamente magra como um esqueleto, lhe foi possível safar-se pelo agulheiro. Estava, porém, tão fraca e debilitada que parecia um cadáver.

Livre daquele cativeiro, olhou melancolicamente para a vinha e disse-lhe: “Adeus, não me apanharás mais. És sedutora e deliciosa. Tens, em abundância, frutos saborosos, mas que importa? De ti saio, como entrei.”

Assim o homem em relação aos prazeres efêmeros da vida terrena. Ensinava o sábio Rabi Meir: O homem quando nasce tem os braços estendidos para a frente, como se dissesse: “É meu o mundo. Todo mundo é meu!” Quando morre, os traz ao longo do corpo, como a prevenir os que se aferram aos bens materiais: “Nada levo deste mundo. Deixo da vida o que a vida me deu!”

Fonte:
Malba Tahan. Lendas do Bom Rabi. Rio de Janeiro: Record, 2011.

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