domingo, 23 de dezembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (Nigéria: O Desafio e o Mensageiro)


Segundo os mitos de alguns povos nigerianos, Olodumare é o deus supremo. O seu nome significa «majestade poderosa e eterna». Mas, segundo reza um mito dos Iorubas, houve tempos em que Olokum, o deus da água, quis esse título para si.

- Estou farto de fazer a vontade a Olodumare - queixou-se

Olokum um dia, enquanto passeava ao longo das margens do rio que tinha o seu nome, na companhia do seu servo humano. 

- Não serei eu um dos deuses mais amados e venerados? Não é o meu rio que enche os oceanos do mundo e mata a sede a todas as plantas, animais e humanos?

- Oh, sem dúvida, poderoso Olokum - respondeu o servo.

O deus e o seu servo detiveram-se e olharam para o outro lado do rio - também conhecido por Etíope - onde ficava a terra das almas. Era ali que as almas dos mortos iam repousar e as dos bebês por nascer iniciavam a sua jornada até ao mundo.

- Não serei eu o dador da vida? - perguntou Olokum.

Nesse momento, a alma de uma criança prestes a nascer numa aldeia próxima atravessou o rio e parou em frente do deus da água. Este abençoou a alma com palavras secretas e sagradas e fez-la seguir viagem cheia de esperança pela nova vida que estava prestes a iniciar.

 - Vós sois o deus mais amado e respeitado de todos - declarou o servo, fazendo-lhe uma vênia. - Os vossos templos são os mais coloridos. Enchem-nos os tecidos mais ricos e as estátuas mais belas. Muitas casas têm santuários dedicados a vós e todos os dias vos rezam.

- Basta! - exclamou Olokum. - Tudo o que dizes é verdade, mas Olodumare é o mais venerado. Continua a ser o deus supremo... dono e senhor de todos nós!

Olokum regressou ao seu palácio sob as águas, pensando numa maneira de retirar a supremacia a Olodumare. Olokum era um deus bom e compreensivo. Normalmente mostrava-se sábio e generoso e recorria aos seus poderes sem prejudicar os humanos, mas a única coisa que alterava o seu belo rosto com uma expressão de raiva era a posição respeitada que Olodumare ocupava.

O palácio submerso em que Olokum vivia era verdadeiramente espetacular: enchiam-no objetos de regalar a vista e que proporcionavam muito prazer. Era um lugar mágico e tinha no seu interior um cofre de tesouros cheio de oferendas para dar à humanidade. O cofre já não estava tão cheio como em tempos, pois Olokum já dera muitos presentes às pessoas.

- O que foi que Olodumare alguma vez fez pela humanidade além de controlar a vida das pessoas? - perguntou Olokum com um suspiro. Vidas que eu ajudo a tornar suportáveis e até bonitas. Não sou eu quem torna as mulheres belas? Não sou eu quem dá aos humanos os filhos por que anseiam e a boa sorte que merecem?

Nesse instante, o som de belos cânticos encheu os corredores e uma fila de bailarinas apareceu diante do deus.

- O que é que Olodumare pode oferecer e eu não?

- Que eu me lembre, pouca coisa - retorquiu o servo.

- Pouca coisa? - admirou-se Olokum.

- Quero dizer, nada - apressou-se o servo a acrescentar. - Não me lembro de nada.

- Nesse caso, desafiarei Olodumare a provar a sua supremacia perante mim. Veremos quem tem mais direito a ser o deus dos deuses! - exclamou Olokum que, tomada a decisão, se recostou, para desfrutar do resto da dança.

Assim, Olokum mandou o seu servo entregar uma mensagem ao deus supremo Olodumare, ordem à qual ele obedeceu, temeroso. Ao chegar diante do deus, o servo de Olokum tremeu.

- O que te fez vir até aqui? - perguntou Olodumare. - Porque mostras tanto medo de mim?

- Sabeis porquê, poderoso Senhor dos Céus - respondeu o servo.

- Sei? - admirou-se Olodumare, inclinando-se no seu enorme trono.

 - Vós tudo sabeis e tudo escutais - adiantou o servo.

- Mesmo assim, diz-me ao que vieste - disse o deus supremo.

- Olokum, meu senhor, desafia-vos a disputar o lugar de majestade poderosa e eterna - respondeu o servo, sentindo a boca secar-se-lhe de pavor.

- Achas que ele será bem sucedido no seu repto? - quis saber Olodumare, sorrindo.

- Não me compete dizer - respondeu o servo, de olhos fixos no chão.

- Aí está uma resposta sábia - observou o deus. - Admiro a tua lealdade a Olokum, mas será que não vês que o teu senhor está condenado ao fracasso?

- Deve achar que não será assim - retorquiu o servo.

- Quanta falta de modéstia da parte dele - riu-se Olodumare. Normalmente, Olokum é um deus ponderado. Deve realmente desejar o meu lugar... Diz-lhe que aceito o seu desafio.

- Aceitais, Criador? - gaguejou o servo de Olokum, espantado. Olokum pode vir aqui desafiar-vos?

Olodumare pôs-se, lentamente, de pé.

- Será que foi isso o que eu disse? - Sorriu. - Apenas respondi que aceitava o seu desafio, nada mais. Como é evidente, ando demasiado ocupado para aceitar o desafio de Olokum pessoalmente. Tenho assuntos mais importantes com que ocupar o tempo do que meter deuses invejosos no seu devido lugar... Diz ao teu senhor que mandarei um emissário responder ao seu desafio. - «Não lhe vai agradar nada», pensou o servo. - Terá de se contentar com isso - observou o deus supremo, lendo os pensamentos do servo. - Olokum deverá tratar o emissário com o mesmo respeito que eu próprio receberia. Agora vai e diz ao teu senhor que se prepare para receber a chegada do meu emissário.

- Um emissário! - indignou-se Olokum ao saber da resposta. - Então eu desafio Olodumare pelo direito a ocupar o seu lugar, e ele, em vez de vir pessoalmente, manda um emissário?

- Um emissário importante - esclareceu o servo. - Tão importante que vos pede que o trateis com o mesmo respeito como se fosse ele.

- Muito bem - declarou Olokum. - Olodumare envelheceu. Como sabe que o venceria em qualquer desafio, não tem coragem de me enfrentar. O servo achou mais cauteloso não fazer qualquer observação.

- Só me resta aguardar - disse Olokum. Bateu as palmas. - Quero música e dança! - ordenou.

De repente, gerou-se grande movimentação no palácio subaquático e foram informar Olokum de que o emissário chegara.

- Já cá está? - admirou-se Olokum perante o seu servo. - Primeiro vou mudar de roupa e depois recebê-lo-ei.

O servo pediu então ao emissário que se sentasse e esperasse por Olokum.

O seu senhor fez uma entrada triunfal, com as suas vestes a rodopiarem e a rasgarem o ar em seu torno como se fossem ondas do mar que ficava por cima. Quem poderia ficar indiferente a vestimentas tão suntuosas?

Ao ver o emissário que, delicadamente, se levantara quando da sua entrada, Olokum ficou de boca aberta. Então não era que ele envergava as mesmas vestes que ele próprio! E Olokum, que pusera vestes suntuosas para mostrar como era importante, reparava que, afinal, aquele humilde emissário trajava da mesma maneira!

- Perdoai-me, pois devo ir tirar estes andrajos miseráveis - disse Olokum. Saiu da sala e correu ao seu quarto em busca de roupa ainda mais rica.

Trajando vestes de tecidos requintados e coloridos, Olokum voltou para junto do emissário. Ao caminhar, garboso, pelo palácio, não houve servo, dançarino ou cantor que não ficasse pasmado diante da beleza do seu vestuário. Nunca tinham visto o seu senhor tão magnífico... Mas, ainda outra vez, a roupa do emissário era igual à dele!

Olokum, a espumar de raiva mas sem querer dar o braço a torcer, dirigiu-se ao emissário de Olodumare pela segunda vez.

- Perdoai-me - disse. - Pareceu-me detectar uma nódoa nesta minha modesta veste. Irei mudar-me mais uma vez, para depois vir para junto de vós.

Mal controlando a sua cólera, regressou apressadamente aos seus aposentos, onde envergou os trajos mais belos que possuía, os mesmos que tencionara vestir quando derrotasse Olodumare e assumisse o título de deus supremo.

Emissário algum poderia, sequer, sonhar com a existência de trajos tão belos. O de Olodumare ficaria, sem dúvida, assombrado...

Olokum, porém, enganava-se. Quando voltou à sala, as roupas do emissário igualavam a suntuosidade das de Olokum. Este sentiu-se desanimado e derrotado. Que esperança poderia ter em derrotar o próprio Olodumare quando o seu emissário era capaz de se antecipar a qualquer jogada sua?

De repente, Olokum deu-se conta de quão tolo fora. Porque não contentar-se em ser o mais amado e respeitado dos deuses? Ele trazia crianças e beleza ao mundo. Não precisava de ser o deus mais venerado, nem o mais poderoso.

Pousou a sua mão sobre o ombro do emissário.

- Ide e dizei a Olodumare que aprendi a lição - declarou calmamente. Contai-lhe que me haveis derrotado ainda antes de o desafio ser iniciado.

O emissário de Olodumare, sem proferir uma palavra sequer, abandonou o palácio debaixo do mar e regressou aos céus.

Olokum nunca o soube, mas foi enganado pela própria Natureza. O emissário era um camaleão - um animal capaz de mudar a cor e a aparência da sua pele de acordo com o que o rodeia. Matizara-se de acordo com as vestes de Olokum, igualando cada um dos trajos com que este aparecia.

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