sexta-feira, 13 de março de 2020

Amani Spachinski de Oliveira (Amor de Bugio)


A história que vou contar, aconteceu, mais ou menos, há uns trinta e cinco anos atrás, envolvendo um bugio fêmea, seus três filhotes, uns caçadores e com seus cachorros de caça, numa floresta virgem do belíssimo Estado do Paraná, no Sul do Brasil

O Bugio, como sabemos, é um bicho muito "inteligente". Viveu durante milhares de anos, e ainda vive, na mata atlântica e florestas tropicais. Anda sempre em bandos, geralmente, sobre as copadas de árvore e pinheiros. Muito parecido, principalmente, nos gestos e fisionomia, com os macacos, que conhecemos hoje, presos nos zoológicos. Percorrem grandes distâncias com a ajuda da cauda, que facilmente se prende e se solta dos galhos de árvores e arbustos. Possuem atitude meiga, quase sempre com ar de um sorriso, quase não esboçado, nos lábios, mostrando, de vez em quando, os dentes esbranquiçados. Vivem â procura de comida, para alimentarem-se e tratar dos filhotes mais novos, que ainda não têm a agilidade da mãe ou do pai.

Gostam muito de frutas tropicais, folhas, brotos e cascas de algumas árvores. Na sua constante luta para sobreviver e conservar a espécie, os bugios tomaram-se, com o tempo, autênticos malabaristas, superando longe, qualquer artista de circo, no trapézio ou na corda bamba. Suas brigas, para defender o território, acontecem através de gritos, que são os mais altos de todos os sons produzidos por animais da Terra e podem atingir um raio de dezesseis quilômetros.

Um dia "Dona Bugia", habitante das margens do Rio Pinhão, que recebe o Jordão e, juntos desembocam no Iguaçu, (região de grandes florestas naturais de pinheiros e madeiras de lei, até que os destruidores da natureza chegassem para devastar tudo, sem critérios e sem consciência e nada replantassem), perdeu-se de seu bando e andava de copa em copa, tanto dos pinheiros como das frondosas árvores milenares de imbuia, peroba e outras. Quando, de repente, viu-se atacada por cachorros ferozes e dois caçadores, armados com espingardas de boa mira, revólveres e facões afiados. Saltando sobre as árvores, para fugir, ela carregava os seus três filhotes, presos ao próprio corpo, agarrados às costas e ao peito da mãe, entrelaçando seu pescoço, como é o costume entre os babuínos.

Em um dos saltos teve a infelicidade de agarrar-se em um galho seco e lá se foram ao chão. Para salvar sua pele e, também a pele dos filhos, a mãe Bugia corria e pulava transformando-se em um verdadeiro serelepe. Num salto, quase voando, conseguiu alcançar um tronco enorme de pinheiro que se elevava e se sobressaía entre os mais altos do Paraná. Continuou subindo até sua copa.

Ufa! Estava salva. Mas isso foi só em pensamento, pois o pinheiro era solitário no campo, fora da mata. No desespero ela nem havia percebido que correra para o campo, saindo da mata. Não havia possibilidade para saltar para outras copas. Estava encurralada. Para completar sua "sorte", o pinheiro era muito velho e já não possuía uma galhada frondosa, como os novos. As pontas de seus galhos tinham pouco sapé e sua copa era rarefeita e isso não permitia que dona Bugia se escondesse com os filhos.

Os cachorros rodeavam o pinheiro avançando e latindo sem parar, até seus donos chegarem. Os dois caçadores logo avistaram a Bugia e um deles, imediatamente apontou a espingarda, fazendo mira. A mãe Bugia permaneceu estática, segurando firmemente os filhotes, abraçando-os na tentativa desesperada de protegê-los. Procurava segurar a respiração para manter-se em silêncio, mas o cansaço e o medo não lhe permitiam. Depois de alguns segundos, enquanto o caçador se arrumava para atirar ela teve um ideia, (é por isso que alguém acha que os bichos pensam), agarrou dois de seus filhos, segurando-os através da pele das costas, um em cada mão, segurou-se bem, com as patas e o rabo cm um dos galhos do pinheiro e, num gesto de extrema coragem, estendeu as mãos, com os dois filhotes, em direção ao caçador e, com muita tristeza no olhar parecia dizer: por amor a estas criaturinhas, por favor não atire.

O caçador, ao perceber aquele gesto, ficou tomado de grande compaixão. Olhou para o companheiro e os dois, com lágrimas nos olhos, e contemplaram comovidos, aquela cena emocionante da mãe. O sentimento paterno envolveu seus corações. O que estava com a espingarda apontada para os animais, foi baixando a arma, até apontá-la para o chão e atirou, como para dizer: "vá embora e seja feliz com seus filhotes".

Sentaram-se ao chão, completamente sem fala, enquanto que os cachorros estavam deitados a uns dois metros de distância e respiravam de boca aberta, com a língua de fora, para retomar as forças. Também eles, pareciam estar pensando e arrependidos pelo que fizeram. Depois de algum tempo pensativos e envergonhados, olharam novamente para o alto pensando que a Bugia tivesse fugido e, para sua surpresa, ela estava lá, procurando piolhos na cabeça dos filhotes e os olhava, com um olhar que parecia de profunda gratidão. Agora, contra sua própria natureza, parecia esboçar um tímido sorriso de alívio e gratidão.

Os caçadores, juraram juntos que, a partir daquele momento, jamais matariam qualquer bichinho que fosse. Partiram de volta para suas casas e ainda olharam umas duas ou três vezes em direção ao pinheiro que abrigara "Dona Bugia" e seus três filhotes amedrontados.

Ao descer, para retomar sua caminhada nas copas de outras árvores e pinheiros, a mamãe Bugia parecia dizer aos seus três filhotes, "puxa filhos, foi por pouco! Escapamos por um triz!" E, ainda trêmula pelo susto, continuou a descida, enquanto os filhotes permaneciam alheios ao que havia acontecido, brincando com raminhos e folhas sem compreender bem e, por isso nem perceberam o perigo que estavam correndo a alguns minutos atrás.

E os dois caçadores contam, até hoje, aquela passagem, não como vantagem de caçada, mas como lição de vida sobre preservação da natureza. As espingardas foram vendidas para o ferro-velho, e os cachorros morreram de velhos, sem nunca mais terem corridos atrás de caça. Aquele pinheiro não existe mais, embora não tivesse ainda idade para morrer quando foi cortado.

Fonte:
Rubens Luiz Sartori (org.). Compêndio da Academia Mourãoense de Letras.  Campo Mourão/PR: UNESPAR/FECILCAM, 2004.

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