terça-feira, 17 de março de 2020

Fernando Sabino (A Mulher do Vizinho)


Na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático General do nosso Exército, morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.

Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do General e um dia o General acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do vizinho.

O delegado resolveu passar uma chamada no homem e intimou-o a comparecer à delegacia.

O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele o era. Obedecendo à intimação recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a lhe dizer. O delegado tinha a lhe dizer o seguinte:

- O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país  pode logo ir fazendo o  que quer? Nunca ouviu falar num troço chamado autoridades constituídas? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada Exército Brasileiro, que o senhor tem de respeitar? Que negócio é esse? Então é ir chegando assim  sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse a casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: "dura lex"! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o General, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar  gringos feito o senhor.

Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O vizinho do General pediu, com delicadeza, licença para se retirar. Foi então que a mulher do vizinho do General interveio:

- Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?

O delegado apenas olhou-a, espantado com o atrevimento.

- Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso importunaram o General, ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos importunando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um Major do Exército, sobrinha de um Coronel e filha  de um General! Morou?

Estarrecido, o delegado só teve força para  engolir em seco e balbuciar humildemente:

- Da ativa, minha senhora?

E, ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços, desalentado:

- Da ativa, Motinha. Sai dessa.

Fonte:
Fernando Sabino. A Mulher do Vizinho. RJ: Record, 1976.

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