- Os senhores, conselheiro, os senhores, homens, - dizia-me, abanando-se pausadamente com o seu grande leque de plumas vermelhas, a linda viscondessa de Lima Freire, - os senhores serão, sempre, injustos com as mulheres, por que nem todos poderão compreendê-las.
- As mulheres são, então, o maior mistério do universo? - indaguei, com ironia.
A viscondessa sorriu da minha ingenuidade, e, sem dissimular a sua piedade pela minha ignorância, acentuou, bondosa:
- O conselheiro não me entendeu, ou não me quer entender. A mulher é um mistério, mas um mistério, apenas, para o homem que lhe não agrada. O símbolo da fechadura tão frequentemente citado pelos psicólogos, constitui uma verdade indiscutível.
- O símbolo da fechadura?
- Sim; não o conhece?
E como lesse a curiosidade no meu olhar, contou-me, pausadamente, cerrando a meio os seus macios olhos de míope:
- Cada mulher é uma fechadura que só tem uma chave...
- Só? - interrompi.
- Espere aí! - pediu, impondo-me silêncio com o leque.
E continuou
- Cada mulher é uma fechadura, que só tem uma chave, a qual está nas mãos do homem que a tem de amar e que tem de ser amado por ela. Outros passarão sob os seus olhos, tentando abrir-lhe o coração. Abusando da sua inexperiência, um ou outro poderá, talvez, penetrar no sacrário da sua alma, usando de chave falsa. Um homem, apenas, tem a chave verdadeira, e é somente quando a mulher se encontra com ele que se dá, realmente, a felicidade no matrimônio. Compreendeu?
Eu ia confirmar com um monossílabo, mas a ilustre senhora não me deu tempo.
- Cada mulher - continuou - devia esperar, de olhos fechados, como a princesa adormecida no bosque, o portador da chave da sua fechadura. É da impaciência de algumas que nascem, geralmente, os escândalos, os divórcios, a dissolução ruidosa das famílias legalmente constituídas. Supondo-se esquecidas pelo seu porteiro, elas cedem à primeira chave falsa, ou à primeira gazua, e casam-se. Mais tarde, aparece o portador da chave. E Já se vai, com esse encontro, a felicidade de um lar!
- Isso era antigamente! - observou, intervindo, o capitão Peixoto Cunha, que nos observava de perto. - Hoje não há mais portas com uma chave só.
E acentuou, rindo:
- As portas, hoje, são de trinco!
Nesse momento, chegava, pausadamente, o visconde, enrolando em torno do dedo grosseiro uma fina corrente de prata, em cuja extremidade chocalhava, numa argola, uma penca de chaves.
Estas eram seis, e abriam, todas, com a mesma facilidade, as duas gavetas da secretária…
Fonte:
Humberto de Campos. Contos Vários.
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