Deve ser bem engraçado o mundo que eles enxergam. Palavra que eu gostaria de ser daltônica apenas por um dia, só para satisfazer minha curiosidade,
Na família de meu marido os homens são todos daltônicos. Dizem que isso se herda pelo lado da mãe. Deve ser, pois minha sogra contava que seu pai, certa vez, andando pelo jardim da casa, fez-lhe esta observação:
"Veja, minha filha, que linda esta rosa bem cor-do-céu".
Das duas, uma: ou a rosa para ele era azul, ou então o céu era cor-de-rosa...
Um domingo, meu cunhado Rubens veio almoçar conosco. Enquanto eu e meu marido preparávamos a "bóia", ele pegou um jornal e acomodou-se na sala, tirando os sapatos e cruzando os pés sobre a mesinha, muito à vontade.
Estava calçando uma meia verde claro e outra avermelhada.
"Ué, Rubinho, está com meias trocadas?!"
Ele observou atentamente os pés e respondeu:
"É mesmo... o desenho é diferente."
Quando Paulo ainda era meu noivo, um dia estava com Gustavo na câmara escura, vendo-o revelar umas fotos. Gustavo precisou de um lápis azul e pediu ao Paulo que fosse buscá-lo. Veio um lápis rosa.
"Não é esse, é o azul."
Veio um verde dessa vez. Só então o Gustavo percebeu que ele era daltônico, e aí revelou-se um segredo muito bem escondido. E o Paulo ficou muito encabulado. Ele tem muita vergonha desse defeito visual. A perna mais curta devido ao acidente na infância não o chateia absolutamente. Mas ser daltônico é motivo para um terrível complexo!
Quando ele fez o primeiro exame de vista, pediu-me que o acompanhasse para escolher a armação dos óculos. Eu estava muito ocupada e não queria ir, mas ele insistiu. Nem me lembrei do daltonismo dele, e foi uma sorte que o tivesse acompanhado, porque sozinho ele teria voltado para casa com óculos de palhaço. A armação que ele mais apreciou colocou sobre os olhos:
"Veja, Dotty, este marronzinho parece que ficou tão bom, não é?"
"Ficou mesmo maravilha, Paulo!"
Os aros "marronzinhos" eram da mais berrante cor-de-maravilha...
Sempre que se lhe pergunta de que cor é um objeto qualquer, ele sai com evasivas;
"É cor-de-buraco-de-cerca", ou coisas assim. Jamais responde a uma pergunta sobre cores.
Logo que nos casamos eu quis saber como era que ele me via. Perguntei-lhe: "De que cor são os meus olhos?”
Esquivando-se sempre, ele, como de costume, não quis responder. Afinal, como eu insistisse, acabou dizendo:
"Bom, eu sei que você tem olho azul, porque já ouvi um milhão de pessoas dizerem que você tem olho azul... Mas para mim não é."
"Então que cor que é?"
"É roxo..."
(Tribuna de Itararé— 09/08/1989)
PS. Passados dezesseis anos desde que escrevi esta crônica, não posso deixar de relembrar o fato mais pitoresco que aconteceu pouco antes de meu marido falecer. Estávamos assistindo a um jogo de Futebol da Seleção e o estádio era só bandeirinhas brasileiras em profusão. Comentei com meus cunhados: "Se o verde-amarelo das bandeiras significa alguma coisa, hoje o Brasil só pode ganhar."
Ao que meu marido retrucou: "Verde e amarelo... desde quando tem verde e amarelo na bandeira do Brasil?"
Aos setenta e poucos anos... de que cor seria para ele a bandeira do Brasil?!
Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
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