domingo, 8 de março de 2020

Jessé Nascimento (O Herói)


Gritos angustiados e o socar de portas ecoaram em meio a fria madrugada.

" - Fogo! Fogo!"

Levantei-me sobressaltado, olhos ainda preguiçosos e semicerrados, teimosos bocejos e pernas cambaleantes. Dirigi-me à janela ao mesmo tempo em que outros amarrotados rostos procuravam ver o que ocorria por entre cortinas e venezianas.

" - Fogo! Fogo!"

Um motorista de táxi, solitário naquela rua sombria e longa, resolvera ali parar ao perceber débeis, porém insistentes, sinais de fumaça. E passara a esmurrar as velhas portas de aço daquele bar, há muitos anos fechado.

A assistência agora era bem maior, denunciada, já então, por algumas dezenas de lâmpadas acesas e janelas entreabertas. Olhares parados, respiração quase suspensa, para não atrapalhar o desenrolar de uma possível tragédia.

Embora ninguém se atrevesse a ganhar a rua - covardia ou medo? - aquele homem já não estava só. O fundo do bar, há algum tempo transformado em morada de rapazes solteiros - mas não alheios às companhias femininas - até então o interrogativo palco de apreensões, começa a movimentar-se febrilmente com um vai e vem incessante.

" - Chama os bombeiros!"

" - Pega o balde d'água!"

" - Vê se todo mundo já acordou!"

A fumaça estava bem mais espessa. E em poucos minutos já se ouvia a sirene dos bombeiros de um quartel não muito distante.

E só então o herói saiu de cena. Humildemente entrou em seu carro, sem fazer alarde, sem olhar para trás. E sem ouvir um muito obrigado.

Minhas mãos ameaçaram um aplauso que não aconteceu. Meus lábios tentaram uma prece que não foi concretizada. Mas meus olhos e pensamentos acompanharam o herói, o solitário herói daquela fria madrugada. Até perder-se por entre a escuridão de muitos postes adiante.

Era um desses raros heróis do mundo em que vivemos, mas que ainda nos fazem crer no espírito humanitário e solidário dos muitos anônimos que povoam as madrugadas da vida.

Fonte:
Recanto das Letras.

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