sábado, 7 de março de 2020

Luiz Otávio (Um Coração em Ternura…) 2


DUAS FLORES

Plantaste em meu coração,
um sutil "amor-perfeito",
e desde este dia então,
vivi feliz, satisfeito!

Veio depois a Distância,
arrancá-lo, por maldade,
e em seu lugar a Constância,
deixou plantada a Saudade…
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QUEM SOFRE MAIS?

Quem tem maior sofrimento,
numa atroz separação:
— quem parte só, num tormento,
quem fica na solidão?!

Sendo as almas desiguais,
a do homem e da mulher,
é esta quem sofre mais,
diga alguém o que quiser!

A mulher é mais constante,
mais emotivo o seu ser...
É seu amor delirante
a razão de seu viver

O homem logo se esquece...
Tem que viver, que lutar…
Por isso, menos padece,
se partir ou se ficar…
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 NO ÁLBUM DE VERINHA

Ó Verinha — anjo pequeno,
que Jesus ao Céu chamou!
Por que ainda assim tão cedo,
aos teus pais, Deus te tirou?!

Com certeza, que este Mundo,
que num caos se transformou,
não serve mais para os anjos,
e Deus, então, te levou...

Só treze anos — são tão poucos!
Nem a vida começou...
(Mas também, por serem poucos,
por breves mágoas passou...)

Se tu soubesses, Verinha,
quanta saudade ficou!
Como a vila entristeceu!
Tua mãe — como chorou!...

A morte é muito traiçoeira;
ninguém, jamais, a evitou…
— Mas não morre, quem a Terra,
pelo Céu, feliz trocou...

Quem viveu só em pureza,
quem foi bom, e não odiou,
nos corações dos amigos
vive sempre... e assim ficou…

Atendendo ao teu desejo,
— como tua mãe contou —
só agora no teu Álbum
escrever meus versos vou...

... Mas do Céu, lerás, por certo,
estas trovas que te dou:
são saudades — flores pobres,
que um troveiro te ofertou...
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POEMA DA FILA


Que filas tão grandes! Que filas paradas!
Parecem formigas,.. Mas não digo bem...
Pois andam mais lentas, mais tristes, cansadas…
— Há crianças e moços, e velhos também!

As filas começam ainda tão cedo!
As vezes terminam repentinamente...
— São filas compridas que até metem medo,
que causam apertos no peito da gente!

As filas igualam, nos dão mesma sorte...
Um rosto, têm todos, igual, sonolento…
Parecem com gado que vai para o corte,
também conformado, sem ter um lamento...

Parece mentira: é o Povo sem nome,
que vai comprar leite, que vem já aguado,
pra dar de beber aos seus filhos com fome,
ou pra alguém que em casa ficou acamado.

Caminha em silêncio, às vezes aos pares,
a Fila da Banha, do Leite, do Pão.
A Fila daqueles que voltam aos lares,
e esperam, exaustos, qualquer condução...

Por que tantas faltas, nas casas, nas feiras,
se a terra é tão boa pra toda cultura?
Por que há falta d’água, se há rios, cachoeiras?
Por que falta tudo, se há tanta fartura?

E os pobres, coitados, sofrendo… sofrendo…
A vida subindo… sem ter mais um fim…
As filas mais lentas e sempre crescendo...
E os ricos que fingem não ver tudo assim…

E Deus que do Céu todas coisas assiste,
será que estas filas já não pressentiu?
Que o pobre ficou bem mais pobre e mais triste!
Que ricos tão fortes jamais ninguém viu!

E o Povo saudoso da antiga abastança,
de tudo que havia no nosso País,
não fala, não grita, não perde a Esperança…
— E a Fila caminha, bem lenta, infeliz…

Fonte:
Luiz Otávio. Um coração em ternura. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1947.

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