CAMINHOS
( A Alberto Hecksher)
Lá vai o caminho à procura do horizonte
ouviu dizer
que ali naquele ponto a terra encontra o céu...
Se os caminhos pudessem compreender
a linguagem dos homens,
gritaria ao caminho para que ele ouvisse:
- para, meu irmão!
- - - - - –
CANÇÃO DO DESALENTO
( A Osório Dutra)
Já não sei se encontraremos um lugar sossegado
onde erguer nossa casa!
Um campo onde lançar as sementes que serão árvores
e serão frutos!
Já não sei se encontraremos a paz das paisagens bucólicas
onde completamos a Terra!
Já não sei se os nossos filhos poderão correr livremente
pelos caminhos.
- e não sei se vale a pena explicar aos nossos filhos
que a terra é boa,
que o sol fecunda,
que o ar é a vida,
que as flores amam, os pássaros sonham, os homens trabalham!
Já não sei se poderemos encontrar esse recanto sossegado
para a nossa Vida,
porque a fumaça que veste de luto os horizontes não sai das chaminés
das casas felizes!
E esse ruído que ouves no solo - não é o ruído das enxadas
e dos arados
na terra dura,
e esse canto que escutas não é canção da alegria
e da fartura!
E esses passos que pisam ritmicamente o mundo na distância
e que chegam aos teus ouvidos
como uma assombração,
tu não sabes de onde eles vêm
nem eles sabem para onde vão!
Roubam-te as enxadas, arrancam-se os sinos, levam-te os arados,
destroem-te a casa,
interrompem as pontes,
violentam os trilhos ...
Em verdade, meu irmão,
estão tintos de sangue os horizontes,
já não sei se encontraremos um lugar sossegado para a nossa casa
e para os nossos filhos!
- - - - - –
CANÇÃO PARA MEU FILHO
Meu filho há de ter forças para não precisar seguir
nos grandes rebanhos...
Meu filho há de amar acima de tudo a terra, a terra que lhe
[dará o pão
a terra onde erguerá sua casa,
a terra onde seus filhos correrão,
a terra que seu pai sempre exaltou e onde repousará feliz...
Meu filho há de chamar de irmão ao seu vizinho e aos homens
[que moram
nas terras mais distantes,
e há de ensinar aos outros homens o amor da terra,
fazendo-os ouvir a música recôndita e inorquestrável
levando-os até a beleza ignorada e intraduzível,
repartindo com eles o pão, o pão branco e macio,
brindando com a água pura a suprema paz imperturbável..
Meu filho, há de odiar por isso, todos os que destroem a terra
amaldiçoam seus frutos
e ignoram seus filhos,
e os que nunca chegarão ao céu porque nunca pisaram
na terra...
Por isso, meu filho não adorará deuses nem homens, mas a
[água que corre da terra
e a vida que nasce da terra: o pão!
Por isso, serão seus irmãos os homens todos que trabalhem,
[que ergam casas
que façam filhos,
e bendigam a alegria da paz no templo imensurável...
Porque eu hei de acreditar na humanidade, pela voz do meu
[sangue redimido
em meu filho!
- - - - - –
CANTO DO TEMPO
A tua voz também estará no apito dos navios que vão e vêm
por todos os portos,
trocando paisagem na retina dos viajantes
e misturando destinos, raças e bandeiras!
E estará no guincho das ferragens dos guindastes curvados
em filas, pelos cais,
como os vultos dos trapicheiros com os fardos pesados
às costas;
e estará em todas as engrenagens, em todas as máquinas,
e na protofônica orquestração metálica
dos seus êmbolos, dínamos e alavancas!
E estará no apito do trem resfolegante
varando a noite com seu vulto sinuoso
e expresso,
a cantar pelos trilhos a ária estridente
do progresso!
E no ruído fantástico de besouro irreal
que é a alma da cidade,
e na zoeira infernal, e no sonoro escarcéu,
dos motores dos aviões entoando pelo céu
o hino da velocidade
E no buzinar dos automóveis, e no apito de todos os
veículos
com as suas ferragens
nas derrapagens;
e na algazarra da cidade - que é onde o rio da vida
tem a sua foz,-
e nos gritos dos homens, dos vendeiros, dos jornaleiros
estará a tua voz!
Em meio à coral inorquestrável, beethovênica
e wagnérica,
da sinfonia da cidade dinâmica e feérica,
meio tonto, meio divino, meio atordoado,
- farás o solo inconfundível
e destacado!
Porque então tua voz será o canto do século,
tua poesia a vida do teu tempo,
e teu destino
a letra universal de um imponente hino!
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. O Canto da Terra. 1945.
Nenhum comentário:
Postar um comentário