quarta-feira, 4 de março de 2020

Juana de Ibarbourou (Poemas Recolhidos)


A PROMESSA

... E todo o ouro do mundo parecia
diluído na tarde luminosa.
Apenas um crepúsculo de rosa
a alta copa das árvores tingia.

Súbito amor, a minha mão unia
à tua mão morena, carinhosa...
Éramos Booz e Ruth ante a formosa
terra que aos nossos olhos se estendia.

- Me amarás? perguntaste. Lenta e grave
veio-me aos lábios a promessa suave
da amante moabita, tão querida;

e foi como um “Amém!”  que neste instante
se ouviu, num toque de oração, vibrante
bater o sino da pequena ermida!

(Tradução de J. G. de Araujo Jorge)
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AMEMO-NOS

Sob o róseo dossel deste loureiro em flor,
amemo-nos. O velho e eterno lampadário
da luz reacendeu seu clarão milenário
e este recanto de erva é um ninho, em seu calor.

Amemo-nos. Talvez haja um fauno escondido
junto do tronco do loureiro, solitário,
a chorar, sem amor, o seu triste fadário,
olhando nosso amor no prado adormecido.

Amemo-nos. A noite, encantada, harmoniosa,
tem não sei que de uma doçura misteriosa...
Somos deuses e estamos sós na paz dos campos.

E, brilhando, por entre os meus e os teus cabelos,
em trêmulos clarões, fugazes, a acendê-los,
joias verdeluzindo, amam-se os pirilampos.

(Tradução de  Mello Nóbrega)
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MONJA NOITE

Monja Noite é gentil, misteriosa, calada,
e traz, no hábito negro, um fulgente rosário.
Monja Noite padece uma pena ignorada
sem saber a razão de seu próprio calvário

Faz o milagre bom de suavizar as dores
com o gesto divinal de pôr as mãos em cruz.
Monja Noite compreende os mórbidos amores,
as misérias da vida e o sofrer de Jesus.

Sempre a espero a sorrir, pois acalma esta pena
de um amor infernal com a piedade serena
que a minha alma compreende, alma enferma e infeliz.

Monja Noite suaviza a aflição do calvário,
com seu hábito negro e o seu lindo rosário,
Monja Noite é uma irmã de Francisco de Assis.

(Tradução de Othon Costa)
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REBELDE

Caronte, quando eu for em teu barco sombrio,
que escândalo eu farei nessa triste romagem!
Temerosas, talvez, do teu olhar tão frio,
outras sombras irão a rezar, como a aragem.

Mas eu irei cantando, alegre pelo rio
e em teu barco porei meu perfume selvagem.
A brilhar me verás nesse arroio sombrio,
como lanterna azul que ilumina a viagem.

Por mais que faças tu, por mais gestos de horror
desses dois olhos teus tão destros no terror,
Caronte, em tua barca, eu serei um escândalo.

E, já farta de sombra e cansada de frio,
quando fores deixar-me à outra margem do rio,
tu me farás descer, qual conquista de vândalo.

(Tradução de Rosália Sandoval)
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VIDA SIMPLES

Iremos pelos campos, mão na mão,
por entre os bosques e os pradais de trigos,
junto aos rebanhos de candura antigos
por sobre a verde maciez do chão.

Comeremos o doce fruto são
das rústicas videiras, os bons figos
que coroam as moitas. Como amigos
partiremos a ceia, o leite, o pão.

E nas mágicas noites estreladas
sob a calma do azul, entrelaçadas
as mãos, lábios em frêmito, ardorosos,

renovaremos nosso morto idílio
que será como um verso de Virgílio,
vivido em frente aos astros luminosos.

(Tradução de Murilo Araújo)
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Juana de Ibarborou
De solteira seu nome era Juana Fernández Morales, porém é mais conhecida como Juana de Ibarbourou, sobrenome de seu marido, o capitão Lucas Ibarbourou,com quem se casou quando tinha vinte anos. Nasceu em Melo, Cerro Largo, Uruguai, a 8 de março de 1895 e faleceu em Montevidéu, em 14 de julho de 1979.

Poesia de notável expressão lírica, muitas vezes mística, luminosa e emotiva Sua poesia enriqueceu a literatura de América marcando-a com sua forte e delicada personalidade plena de amor. Talvez por esta razão o público de língua espanhola tenha lido sua poesia desde sempre com tanto entusiasmo.

Poetisa de grande expressão lírica, seus primeiros livros são de versos exaltados, sensoriais, apaixonados, e em linguagem clássica e pura. Nos últimos anos sua poesia ganhou certa expressão mística e até religiosa. Sua poesia conquistou tão rapidamente a atenção do público em geral e dos entendidos, que em 10 de agosto de 1929, no “Salón de los Pasos Perdidos” do Palácio Legislativo, um grupo de artistas e diplomáticos de diversos países encabeçados pelo célebre escritor Alfonso Reyes, lhe outorgou o título de “Juana de América”.

Outras condecorações:
– Orden Universal del Mérito Humano (em Genebra, 1931),
– Medalla de Oro de Francisco Pizarro (Perú 1935),
– Orden del Cóndor de los Andes (Bolivia, 1937)
– Orden del Sol (Perú, 1938),
– Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil, 1945)
– Primeiro prêmio del Ministerio de Instrucción Pública del Uruguay (medalha de ouro em 1945),
– Cruz de Comendador do Grande Prêmio Humanitário (Bélgica, 1946) etc.

Obras:
“Las lenguas de diamante”, “El cantaro fresco”, “Raiz salveja”, “La rosa de los ventos”, “Estampas de la Bíblia”, e “Su Mejores Poemas”, (coletânea).

Fonte:
J G de Araujo Jorge, Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou. Poesia Universal - Européia e Americana  – vol. III. 1a ed, Rio de Janeiro, 1966.

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