sexta-feira, 6 de março de 2020

Américo Gonçalves de Sousa (Poemas Diversos)


A LUA É TESTEMUNHA

Passei de noite pela tua rua,
e demorei-me um pouco à tua porta,
mas não te vi... eu vi somente a lua,
que se escondia, que era noite morta…

Fiquei bem triste... e, como quem flutua
sobre um mar tenebroso; algo me importa...
É que tenho a minha alma presa à tua;
se as separar, o que é que me conforta?...

Disse-me a lua: Vinhas ver a amada?
Tu vais embora, que ela está deitada...
É muito tarde... está a amanhecer...

Não imaginas como eu vim pra casa...
O corpo todo me queimava em brasa,
que eu cheguei a pensar que ia morrer.
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DEPOIS DE TUDO CONSUMADO

Entristeci só em pensar que um dia
eu tenha muita pena de morrer,
e talvez, cheio de melancolia,
queira encontrar alguém pra me valer…

Como suportarei essa agonia,
vendo começar tudo a escurecer,
e eu envolvido numa névoa fria,
sentindo pouco a pouco falecer…

Ó que triste hora deve ser aquela...
Talvez... que nem acendam uma vela,
para ficar a alumiar meu rosto...

Quisera, quando tudo consumado,
morrer, mas não morrer amargurado...
morrer tranquilo sem sentir desgosto.
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DESVENTURA

Vi passar mendigando, pela rua,
uma pobre mulher, quase trapilha!
Descalça, esfarrapada, quase nua,
levava pela mão a sua filha.

Já era noite e não havia lua.
Fazia frio, e não tinham mantilha...
Vivendo o drama da miséria crua,
iam caminhando na espinhosa trilha.

Desalentadas pelo seu cansaço...
A mãe e filha sentam-se no chão
e a mãe sentou a filha no regaço.

Não podendo conter sua emoção,
estreitou sua filha num abraço,
e disse-lhe a chorar: "Não temos pão…”
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FAUSTA

Vês esta cruz aqui no cemitério?...
Aqui repousa alguém, que muito amou.
Depois que ela morreu, nada mais sou,
e vivo por viver,., caro Rogério.

Sei que acreditas de que falo sério.
Ela, ao ver que morria, me abraçou...
no seu rosto, uma lágrima rolou,
e tudo se acatou como um mistério!

Deixa que eu desabafe a minha dor...
Oh!, Fausta, Fausta, meu querido amor,
ajuda-me a sofrer esta amargura…

Sabes como é tremendo o meu desgosto...
Oh!, quisera poder beijar-te o rosto...
Já que eu não posso, beijo a sepultura.
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O AMOR DE MÃE

Como eu me lembro, quando me beijavas...
Era sempre em desvelos, sem cansaço...
Os meus cabelos, tu acariciavas,
sentando-me depois no teu regaço.

Meu peito, junto ao teu, aconchegavas,
não ficando, entre nós, qualquer espaço...
depois, o meu pescoço entrelaçavas
com muito amor, num carinhoso abraço.

Hoje, eu quero tomar o teu lugar.
Ao ver-te já cansada, e já velhinha...
Vem cá, no meu regaço, te assentar.

Encosta no meu ombro a cabecinha,
que eu quero com carinho te estreitar,
fazendo igual a ti... Santa Mãezinha.
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 POBREZA

Tu jamais te envergonhes da pobreza,
se por acaso em tua casa entrou.
Saibas que o pobre também tem nobreza...
Já houve um rico, que Deus condenou.

Se te conformas, não terás tristeza,
quando algo te faltar, ou já faltou.
Caso a comida falte à tua mesa,
ou até mesmo o pão, já se acabou…

Pode haver muito, que sem Deus é nada..
O pouquinho, que houver, com Deus é tanto,
que a gente fica toda impressionada!

Não admira causar um certo espanto;
A pobreza, em fartura transformada!
Ah!, mas Deus tudo pode, porque é Santo...
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Américo Gonçalves de Sousa nasceu na cidade do Porto, Portugal, no dia 6 de junho de 1919. Filho de Joaquim José de Sousa e Ana Gonçalves Pires. Completando os primeiros estudos com a admissão para o Liceu, seguiu a carreira da música e da escultura, trabalhando em diversos monumentos, principalmente na gigantesca estátua de Cristo Rei, que se encontra no planalto na serra do Pilar, em Poços de Ferreira, Portugal. Apaixonado pela música, cursou solfejo, seguindo o estudo do instrumento de sua predileção: Órgão. Talvez inspirado pela música e com o dom de poeta, cedo começou a escrever as primeiras poesias. Radicado no Rio de Janeiro, afastou-se dos trabalhos de escultura, dedicando-se à música e poesia. Pertenceu à União Brasileira de Trovadores. Colaborou com a Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, na coluna: A Caixinha da Trova, de Heráclito de Oliveira Menezes. Vários trabalhos poéticos publicados em jornais e revistas. Em concursos foi premiado diversas vezes com classificações honrosas.

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – 3. Volume. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1980.

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