domingo, 1 de março de 2020

Laurindo Rabelo (Estragos de Amor)


I
Miseráveis insensatos,
Escravos da formosura,
Curvados a seu aceno,
Buscais vida no veneno
Que vos leva à sepultura!

II
Nos seus braços reclinados,
Beijando em ternos carinhos
Divinas faces mimosas,
Libais o néctar das rosas
Sem reparar nos espinhos!

III
“Oh! loucos, vede a verdade,
“Conhecei essa ilusão,
“Por que viveis seduzidos?”
Embalde contra os sentidos
Aflita brada a razão!...

IV
Nada alcança: tudo cede
Ao amoroso desmaio: —
Lumiando o par gentil,
Brilha amor como um fuzil,
Mas ao fuzil segue o raio.

V
Lá do monte da esperança
Cresta o fogo as verdes fraldas;
E de quanto possuía
Só conserva a fantasia
Secas, dispersas grinaldas.

VI
Suspeitas, tiranias serpes,
Nos peitos cravando os dentes,
Com seu sangue se alimentam;
Das chagas chamas rebentam,
Das chamas novas serpentes.

VII
Em furor e desespero
Começa o triste a chorar,
Vendo a estrada que seguiu;
Morde o laço em que caiu,
Mas não pode-o desatar!...

VIII
A razão, para vingar-se,
Mais aumenta o seu flagício,
Com semblante inexorável,
Muda, surda, imperturbável,
Assistindo ao sacrifício.

IX
Tudo é dor, tudo agonia,
E queixumes contra o fado;
Suspiros e pranto ardente,
Desespero no presente,
Saudades pelo passado!...

X
'Té que vai desabrochando,
Pelo pranto d’aflição
Regada continuamente,
Do desengano a semente
Nas cinzas do coração.

XI
Ergue a planta a fronte altiva,
Mas de tristonha aparência;
Folhas, tronco, é toda luto;
Tem mirrado raro fruto;
Esse fruto — é a experiência. —

XII
Das ruínas levantado,
Vê-se o espírito surgir;
Vem com passo fatigado,
Como guerreiro cansado,
À sua sombra dormir.

XIII
Presto acorda, e então, cedendo
Da fome aos cruéis assomos,
Alguns ramos segurando,
Vai colhendo, e vai tragando
Os amargos negros pomos.

XIV
Comeu, ergueu-se, é já outro!
Foi-se do rosto a meiguice!
Do tronco um ramo quebrado
Serve ao triste de cajado —
Eis a imagem da velhice.

XV
Está tudo terminado!
Está completa a sentença!
Aos fogos sucedem gelos,
Que anunciam nos cabelos
A idade da indiferença!

XVI
Lá vai o velho mesquinho,
Lá vai desacompanhado,
O caminho da existência,
Nutrido pela exp’riência,
Ao desengano arrimado.

XVII
Só seus pés tocam a terra,
Os olhos do céu na luz,
Entregue a culto profundo,
Lá vai, fugindo do mundo,
Cair nos braços da Cruz.

XVIII
Lá expira... mas dizei-lhe —
Amor! Vereis num transporte
Como seus olhos cintilam,
Como a um tempo se aniquilam
Todas as forças da morte!!...

XIX
É que amor inexorável
Nos seus planos iracundos,
Se os mortais torna cativos,
Nem minora o mal dos vivos,
Nem respeita os moribundos.

XX
Restaura as forças da vida,
Não nos consente morrer;
Porque lá nas sepulturas
Seus tormentos e torturas
Não se pode padecer.

XXI
Envenenados farpões
Nos manda em suspiros ternos;
Cinge aos olhos mago véu,
E pelos jardins do céu
Nos encaminha ao inferno.

XXII
Fugi, humanos!... fugi
De seu veneno traidor!
Sem culto, desamparados,
Sumam-se, ao tempo votados,
Altares, templos de Amor…

Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas.

Nenhum comentário: