segunda-feira, 16 de março de 2020

Carlos Estevão de Oliveira (Baú de Trovas)


Ai, andorinhas serenas,
vindes, bem sei, donde venho,
pois se tendes negras penas,
penas bem negras eu tenho.
- - - - - –

As provas chovem aos molhos,
a crer ninguém me conduz...
Se tens a noite nos olhos,
de onde é que sai tanta luz?...
- - - - - –

Dizem que o amor é eterno,
e é ave de arribação:
Chega com o frio do inverno,
foge com o sol de verão...
- - - - - –

Eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento...
- - - - - –

"Nem toda flor tem perfume",
diz o povo e diz-o bem.
Mas ter amor sem ciúme
é coisa que ninguém tem...
- - - - - –

Pobre de quem diz: “Eu tive
um sonho ardente e murchou!"
Mas ai daquele que vive
de um tempo que já passou!..,
- - - - - –

Querem que eu viva sorrindo,
desejo igual tenho eu;
mas não pode viver rindo
quem de rir já se esqueceu...
- - - - - –

Teu rosto, lírio moreno,
por teus cabelos cercado,
semelha um astro pequeno
num céu de inverno engastado.
- - - - - –

Teus olhos, meigos e lhanos,
por quem suspiros arranco,
são dois negros africanos,
escravos de um rosto branco.
- - - - - -

Um problema me consome,
mas não lhe dou solução:
como escreveste teu nome
dentro do meu coração?

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

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