terça-feira, 1 de setembro de 2020

Edy Soares (Cristais Poéticos) III


ABENÇOAI AS MARIAS

Abençoai, Deus, todas as Marias!
Que seus filhos concebem
E logo percebem
Que o mundo os condena.

A brigar pelo pão,
Por pedaço de chão,
Pois a chance é pequena.

Abençoai todas as Marias
Que veem seus filhos perdidos,
Às vezes, vendidos
Por menos de trinta moedas.

Com cruzes pesadas,
Com mãos calejadas,
E as cicatrizes das quedas.

Abençoai todas as Marias
Que veem seus filhos condenados,
Muitas vezes trocados
Pelos "barrabazes" da vida.

Se entregando ao sacrifício,
Ao carrasco e ao suplício,
Por não terem saída.

Abençoai as Marias,
Marias que imploram,
Marias que choram
Pelos filhos das favelas.

Tenha pena dessas Marias
Não pense, nem por um dia,
Que seus filhos são sempre
Melhores que os delas.
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ALÉM DA ÚLTIMA ESTAÇÃO

Acho que lá vem
O último trem
Rompendo o silêncio,
Iluminando os trilhos,
Apitando de estação em estação.

Acho que essa é
A última estação
E esse,
Ah... esse é o último trem.

E lá vou eu,
O último passageiro
Da última estação,
No último trem.

Pra onde vou, não sei!
Mas ficou pra trás
A estação vazia e fria
Que me viu tantos dias
Esperando o trem passar,

E nunca diria que eu, um dia,
Sem querer seria,
Desse vagão derradeiro,
O último passageiro…
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EDIÇÃO

Se é falso o que é falado,
Se o que ouço e vejo é editado,
Tiram-me direito de autenticidade,
Ocultam-me o que é a verdade.

Se manipulam o que me é mostrado,
Se censuram o que me é contado,
Falseiam a realidade
E destroem a moralidade.

O improviso nunca é o feio;
É o novo sem ter rodeios;
É falar sem o texto montado;
É a fala de quem tem coragem;
É a verdade sem camuflagens;
É o brado de quem não aceita calado.
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MULAMBA

O olhar sorridente, criança,
Na dança de carros no farol,
Sem temer a resposta se lança
Por um trocado, em busca do pão.

Pedinte, sem sorte, mulamba,
E samba ao olhar de quem passa,
Quem nega, o faz por desculpa
De que doar incentiva a desgraça,

Filhos da pátria que esbanja,
Se arranja com o pouco que sobra,
Ninguém quer saber onde dorme,
Tampouco importa se acorda.

Salve! Salve! Pequenas crianças,
Esperança do futuro do mundo,
Sobra ouro nos cofres do rei,
Mas pra vocês, falta amor falta tudo.
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TREM SEM RUMO

Desgovernado nas mãos
De um maquinista louco,
Em disparada,
Rasgando trilhos,
Rompendo dormentes,
Atropelando impiedosamente
O que houver pela frente.
Trem desgovernado
Sem rumo certo,
Sem saber ao certo
Onde se vai dar,
Nem como parar.
Máquina mortífera!
Tal qual máquina forte;
Não tem um norte
E nem direção.
Segue em disparada
E a próxima parada
Pode ser em qualquer estação.

Fonte:
Edy Soares. Flores no deserto. Vila Velha/ES: Ed. do Autor, 2015.
Livro enviado pelo poeta.

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