quinta-feira, 18 de março de 2021

Alvitres do Professor Renato Alves - 1 -

1.
Já reparou que as pessoas dinâmicas, que estão sempre em atividade, são as que mais recebem críticas? Sempre há os "engenheiros de obras feitas" a condenar os erros do irmão que produz. Pois bem! Veja como este aspecto da conduta humana foi bem captado na trova abaixo!
    
Quem não faz, risco não corre.
Erro...engano...quem não falha?
Só pode errar quem socorre,
age, executa, trabalha!
(Maria Thereza Cavalheiro+)


 2.
"Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe!" – Esta sucessão de momentos bons e momentos maus, quase sempre efêmeros, que ocorrem durante toda a vida, foi flagrada de forma magistral nessa metáfora trovada de Waldir Neves, nosso saudoso irmão.
    
Ao longo da caminhada
em que a vida nos conduz,
vão-se alternando, na estrada,
luz e treva... treva e luz...
 (Waldir Neves+)
 
3.

A trova, ordinariamente leve e sutil, às vezes envereda pelo terreno das trágicas paixões que assolam a alma humana. Veja como, em quatro versos apenas, é possível criar-se um clima de tragédia que mexe com a nossa sensibilidade.
    
Achado morto em seu leito,
o anão do circo da esquina
apertava contra o peito
a foto da bailarina...
(Waldir Neves+)
 
4.

Observe o clima de  intimidade  e aconchego que esta trova  cria!
    
Eu me rendo, abaixo o tom,
te abraço e logo me apego...
Tranco a porta, ligo o som,
fecho a cortina e me entrego!
 (Ailto Rodrigues)
 
5.
Será que todo mundo é mesmo tão rigoroso em sua auto-avaliação? Eu acho que não!... Os homens, em geral, são até generosos demais no julgamento de seus atos. Como disse Fernando Pessoa:

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo...
São todos uns príncipes... "

 
Caso, um dia, o homem consiga
a si mesmo conhecer,
eu duvido que ele diga
que teve "muito prazer".
(Miguel Russowsky+)

 
6.

Sendo a língua o meio de expressão da arte literária e, por consequência, da trova, um de seus gêneros, a correção gramatical é uma preocupação constante de alguns trovadores, servindo-lhes, às vezes, até  de  tema:

Ao ler, na fábrica, o aviso
dizendo:  "VAGAS NÃO Á",
comenta alguém, num  sorriso:
– Nem para o emprego do "H"?
(Waldir  Neves+)
 
Dois ladrões, num intervalo,
foram juntos almoçar.
Um deles pediu... "roubalo"!
e o outro... "furtos do mar"!
(Edmar Japiassú Maia/RJ)
    
Sempre contando lorota,
diz que fala até chinês,
e, ao dizer-se poligrota,
assassina o português.
(Maria Nascimento/RJ)
 
"Cuidado com os degrais!"
– dizia o aviso ao freguês.
E ninguém tropeçou mais...
(A não ser no português!)
(Renato Alves/RJ)

7.
Trova é cultura:

Por mais simples que seja, a trova, às vezes, contém imagens que exigem um conhecimento específico para serem apreciadas plenamente. Por ex: O diamante é o estágio mineral mais puro do carbono, um elemento químico que forma milhares de compostos. É muito  brilhante, mas, um dia,  já  foi um negro carvão...
 
Se o erro ficou distante
seja pleno o teu perdão
Não se cobra ao diamante
seu passado de carvão!
(Pedro Ornellas/SP)


8.

Na poesia simbolista (escola literária do final do séc.XIX, tendo, no Brasil, como seu maior representante, o poeta Cruz e Sousa) uma das características é a  "sugestão": o poeta não exprime diretamente o que sente, mas sugere, insinua, apela para os sentidos. Prefere criar um clima sugestivo, de formas vagas, em vez de dizer diretamente.

Às vezes,  percebo por  trás da beleza de algumas trovas, este mesmo efeito do Simbolismo, uma certa atmosfera de insinuação...

    
Este teu corpo de miss
me deixa o coração tenso...
Imagina se eu te visse
daquele jeito que eu penso!
(Clarindo Batista/RN)
 
De meu pai, em mim gravada,
guardo a imagem, rotineira,
de uma camisa suada
sobre as costas da cadeira...
(Edmar Japiassú Maia/RJ)

 
9.
Coincidência na Trova:


Conforme nos alertou Luiz Otávio em "Meus irmãos os Trovadores":
 
"Nas trovas, como em todos os gêneros, podemos encontrar identidade de inspiração, semelhança de ideias, igualdades nas estruturas. Geralmente sem maldade... Assim, aconselho aos poetas que lerem alguma trova muito idêntica a uma sua, que não atirem a primeira pedra... Muitas vezes, a que você está lendo e julga ter sido plagiada da sua,  foi feita e publicada muitos anos antes."
 
Para ilustrar os comentários do mestre, cito abaixo 5 trovas iguais na temática (dupla visão do bêbado) e estruturas semelhantes. Da minha parte, posso garantir que nunca tinha lido qualquer uma das outras três.

 
Que genrinho inteligente!
Bebeu uma vez na vida,
viu duas sogras na frente,
nunca mais topou bebida!
(Élton Carvalho)
 
De fogo, o goleiro Armando,
enfurecendo a galera,
viu duas bolas entrando,
e pulou na que não era!
 (Pedro Ornellas/SP)
 
Chegou tarde, vista torta,
do boteco o Zé Morais,
viu duas sogras na porta
e não bebeu nunca mais!
(Pedro Ornellas/SP)

O pileque faz das suas!
Pra mim, porre nunca mais!
– Minha sogra virou duas...
castigo assim é demais!
(Josué de Vargas Ferreira)

Tomou "todas" – Que exagero!
Ficou com dupla visão...
Foi pra casa e... Oh! desespero!
Duas sogras no portão!
(Renato Alves/RJ)

 
Observem, agora, a semelhança de temas nos versos muito conhecidos em "Chão de Estrelas" na trova abaixo:
 
"A porta do barraco era sem trinco,
e a lua furando nosso zinco
salpicava de estrelas nosso chão..."
(Orestes Barbosa)

Dos pingos que a lua espalha
ficava o chão pontilhado...
É que meu rancho de palha
tinha furos no telhado
(Pedro Ornellas)

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continua...

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