quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Afrânio Peixoto (Trovas populares brasileiras) – 19

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. Muito cuidado, também, pois atualmente não são admitidos os cacófatos, quando uma palavra forma uma segunda, ou duas formam uma terceira, como é por ex. o caso da número 1 e da 14, “como” tem sentido de comer também. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.



1
Abre a boca como a rosa
aos orvalhos do verão.
Dize ao menos que me amas,
e terás meu coração.
2
Amar a duas pessoas
não pode um coração.
Deus formou uma só Eva
por ter feito um só Adão.
3
Coração que ama a dois
que firmeza pode ter?
Já te dei o desengano,
não pretendo mais te ver.
4
Coração que a muitos ama
não sabe o que é querer bem,
pois faz carinhos a todos,
mas não contenta a ninguém.
5
Desde o dia em que te vi,
de te amar fiz a intenção.
É justo, pois, prenda minha,
que me dês teu coração.
6
Lá se vai meu coração
para te servir de prenda.
Não o maltrates, benzinho,
que não tem quem o defenda.
7
Lá vai o meu coração,
é a prenda que te mando.
Ele lá vai ser feliz,
eu por cá fico chorando.
8
Meu coração está vazio,
está com escritos agora:
Se o quiserem alugar
dou preferência à senhora.
9
Meu pai, para me ver casada,
prometeu-me uma panela,
mas depois que me casei...
não vi nem um caco dela.
10
Muito padece quem ama,
muito sofre um coração.
De dia apanha poeira,
de noite, constipação!
11
Nada tenho pra te dar
do jardim deste meu peito:
Se queres meu coração,
mete a mão, tira-o com jeito…
12
Não posso mais, nem que queira
ter paz, nem satisfação!
0 olhar desta morena
espinhou meu coração...
13
Não te dou meu coração
porque não posso tirar...
Se tirar eu sei que morro,
morro e não posso te amar...
14
Negaste-me a formosura,
que a natureza te deu.
Nesse teu peito não tens
um coração como o meu.
15
No meu rosto ninguém vê
nenhum sinal de aflição...
Minha pena, meu cuidado
eu guardo no coração.
16
Nos sertões aonde moro
tenho terras, tenho gado,
e o que tenho será teu
se isto for do teu agrado.
17
0 amor, quando é tecido,
não pode ser desmanchado.
Dois corações bem unidos,
não podem ser apartados.
18
Pega lá meu coração
vinga nele os meus delitos,
crava-lhe um punhal agudo
não te embaracem meus gritos.
19
Pena por seres magrinha,-
miudinha de feição,
num peitinho delicado
está mais perto o coração.
20
Quando a boca diz que sim,
a cabeça diz que não.
Ora, que me diz a mim
o que sente o coração?
21
Rua abaixo, rua acima,
sempre com o chapéu na mão...
Não achei quem me dissesse
cobre-te, meu coração!
22
Sou meirinho, à tua porta,
venho fazer citação,
estás intimada, ingrata,
a me dar teu coração.
23
Tenho o coração magoado,
coberto de cicatrizes:
E como roçado novo,
queimado e cheio de raízes...
24
Uma esmolinha, chorando,
te pediu meu coração… 
Nem ao menos lhe disseste;
Deus te ajude, meu irmão!
25
Você diz que eu sou escura...
mas é claro o coração:
Muito branco é parecido
com capucho do algodão.
26
Vou-me embora desta terra,
é mentira não vou não...
Quem vai lá é o corpo só,
mas não vai o coração.

Fonte: Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. Disponível em Domínio Público.

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