OS RISONHOS
Pastores e camponesas
De rudes almas esquivas
Passam entre as candidezas
Das estrelas fugitivas.
Parece que nada os punge,
Nada os punge e sobressalta.
A lua que os campos unge
No firmamento vai alta.
E eles passam sob a lua,
De queixas desafogados,
A cabeça livre e nua,
Na florescência dos prados.
Seres meigos e singelos,
Mulheres de lindo rosto,
Lábios cálidos e belos,
Do quente sabor do mosto.
Pastores de tez morena,
Queimados ao sol adusto:
Claridade bem serena
No fundo do olhar bem justo.
Neles tudo é riso e festa,
Neles tudo é festa e riso,
Frescuras brandas de giesta
E graças de Paraíso.
Simples, toscas e felizes,
Sem ter um laivo de mágoa:
Almas das verdes raízes,
Limpidez de gota d'água.
Neles tudo é paz de aldeia
E ri com os risos mais frescos...
O céu inteiro gorjeia
Idílios madrigalescos.
Seduzido por miragens
Caminha o bando risonho
Dessas virentes paragens,
Levado na asa de um sonho.
Nele tudo ri sem ânsia
E com doçura secreta;
E como uma nova infância
Cantantemente irrequieta.
Encantos de mocidade,
Saúde, fulgor, vigores,
Dão-lhe a doce suavidade
Maravilhosa das flores.
Os corações, florescentes,
Vão nesses peitos cantando
E rindo em festins ardentes
E dentre os risos sonhando.
Ri na boca, ri nos olhos,
Nas faces o bando, rindo
O bom riso sem abrolhos,
Que lembra um campo florindo.
Rindo em sonoras risadas,
Rindo em frêmitos vivazes,
Rindo em risos de alvoradas,
Rindo em risos de lilazes.
Os campos entontecidos
Nos vinhos da lua clara
Ficam bizarros, garridos,
De vitalidade rara.
As águas claras das fontes
Vibram lânguidas sonatas
E as nuvens vestem os montes
Das visões mais timoratas.
Na copa dos árvoredos,
Nas orvalhadas verduras
Há sonâmbulos segredos
E murmuradas ternuras.
E o bando festivo passa
Rindo, alegre, casto e suave,
Iluminado de graça,
Mais leve que um vôo de ave.
Podeis rir, almas ditosas,
Almas novas como frutos
De vinhas miraculosas
De pomares impolutos.
Podeis rir, almas eleitas
Que os anjos percebem tanto
Lá das esferas perfeitas
Nas harmonias do Encanto.
Almas brancas, Páscoas leves,
Alvos pães de áureos altares,
De mais candidez que as neves
E a madrugada nos mares.
Almas sem sombras ferozes
Nem espasmos delirantes.
Eco das bíblicas vozes,
Caminhos reverdejantes.
O vosso riso é bendito,
Os vossos sonhos são castos,
O estrelamento infinito
De mundos claros e vastos.
Podeis rir, peitos ufanos,
Belas almas feiticeiras,
Vós tendes nos risos lhanos
O trigo das vossas eiras.
A vossa vida é planície,
Não tem declives funestos:
Sois torres que a superfície
Assenta nos dons modestos.
A nossa vida é bem rasa,
Preso à terra o vosso esforço;
Nem mesmo um frêmito de asa
Vos faz agitar o dorso...
Sois como plantas vencidas
Conquistadas pela terra,
Dando à terra muitas vidas
E tudo que a Vida encerra.
É do vosso sangue moço
Que na terra se derrama,
Que sobe o rubro alvoroço
De ocasos de sóis em chama.
Manchas, ao certo, não tendes
E nem trágico flagício,
Almas isentas de duendes,
Lavadas no Sacrifício.
Das pedras, nos vossos ombros,
A rigidez não carrega.
Em jardins tornam-se escombros
E em luz a crença que é cega.
Desses perfis adoráveis,
Na curva casta dos flancos
Brotam viços inefáveis
Dos florescimentos brancos.
Podeis rir! ó benfazeja
Bondade de nobre essência,
Deus vos chama e vos deseja
Na estrelada florescência.
Um anjo vos acompanha
Nessa estrada matutina
E convosco a ideal montanha
Sobe da graça divina.
O flagelo deste mundo,
Nesses corações não pesa.
Enquanto o Horror vai profundo
Vossa alma tranqüila reza.
Contritos e de mãos postas,
Humildemente de joelhos,
O Demônio, pelas costas,
Não vem vos dar maus conselhos.
Vós sois as sagradas reses
Votadas ao azul Sacrário.
Deus vos olha muitas vezes
Com o seu olhar visionário.
Mas quando, como as estrelas,
Adormecerdes um dia,
Voando mais perto a vê-las
Na Paragem fugidia.
Quando na excelsa Bonança
Afinal adormecerdes,
Nos olhos toda a esperança
Levando dos prados verdes.
Quando lá fordes, subindo
Para as límpidas Alturas,
Profundamente dormindo,
Em busca das almas puras.
Praza aos céus que nos caminhos
Da eterna Glória, das palmas,
Mais brancas que os claros linhos
Possais encontrar as almas!
Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.
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