Assim que deixou a menina, Tom Mix voltou ao lugar do assalto, a fim de orientar-se na pista de Rabicó. Descobriu logo os rastos dele na terra úmida e os foi seguindo até à floresta. Lá se guiou pelas ervinhas amassadas e outros sinais que na fuga ele fora deixando. E andou, andou, andou até que de repente ouviu um ruído suspeito.
— É ele! — pensou Tom Mix agachando-se — e, pé ante pé, sem fazer o menor barulhinho, aproximou-se do lugar donde partia o ruído suspeito. Espiou. Lá estava o marquês, rom, rom, rom, de cabeça enfiada dentro duma abóbora muito grande, tão entretido em devorá-la que não deu pela presença do terrível vingador.
Tom Mix foi chegando, foi chegando e, de repente...
— Nhoc! — agarrou o marquês por uma perna.
— Coin! coin! coin! — grunhiu o ilustre fidalgo.
— Peço perdão a Vossa Excelência — disse Tom Mix com ironia — mas estou cumprindo ordens da senhora princesa do Narizinho Arrebitado.
— Que é que Narizinho quer de mim ? — gemeu Rabicó desconfiado.
— Pouca coisa — respondeu o vingador. — Apenas uns torresminhos para enfeitar um tutu de feijão amanhã...
— Coin! coin! coin! — gemeu o marquês compreendendo tudo.
E foi com bagas de suor frio no focinho que implorou: “Tenha dó de mim, senhor bandido! Tenha piedade de mim, que lhe darei esta abóbora e ainda outra maior que escondi lá adiante...”
Tom Mix parece que não gostava de abóbora. Limitou-se a puxar pela faca e a passá-la sobre o couro da bota, como que a afiando. Percebendo que estava perdido, Rabicó teve uma idéia.
— Senhor bandido, poderá prestar-me um obséquio?
— Diga o que é — respondeu Tom Mix calmamente, sempre a afiar a faca.
— Quero que me conceda cinco minutos de vida. Preciso fazer o testamento e confiar minhas últimas palavras a essa libelinha que vai passando.
Tom Mix concedeu-lhe os cinco minutos. Rabicó chamou a libelinha.
— Amiga, darei a você um lindo lago azul onde possa voar a vida inteira, se me fizer um pequeno favor.
— Diga o que é — respondeu a libelinha, vindo pousar diante dele.
— É levar uma carta à princesa Narizinho, que deve estar no reino das Abelhas.
— Com muito prazer.
Rabicó fez a carta depressa e entregou-lha. A libelinha tomou-a no ferrão e zzzit! lá se foi, veloz como o pensamento. Mal a viu partir, deu Rabicó um suspiro de alívio, murmurando em voz alta:
“Coragem, Rabicó, teu dia não chegará tão cedo!”
— Que é que está grunhindo aí, senhor marquês? – perguntou o carrasco.
Rabicó disfarçou.
— Estou pensando na sua valentia, senhor Tom Mix. Está assim prosa porque deu comigo, que sou um pobre coitadinho. Queria ver a sua cara, se Lampião aparecesse por aqui com os seus cinqüenta cangaceiros!
— Lá tenho medo de lampiões ou lamparinas? O marquês não me conhece. Diga-me: costuma ir ao cinema?
— Nunca. Mas sei o que é.
— Se não conhece o cinema, não pode fazer idéia do meu formidável heroísmo! Não há uma só fita em que eu seja derrotado, seja lá por quem for. Venço sempre ! Sou um danado!...
Rabicó olhou-o com o rabo dos olhos, pensando lá consigo:
“Grandíssimo fiteiro é o que você é.” Pensou só, nada disse. Aquela faca embargava-lhe a voz...
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Continua... As Muletas do Besouro
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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