quinta-feira, 5 de julho de 2012

Marco Aqueiva / SP (Alguns Metros de Sangue e Pó)


-
Nessas ocasiões o asfalto às vezes reclama
um asfalto tocado por um sangue rasteiro
pesa até o erro na moça de olhos vermelhos
deslizando pela avenida o corpo estendido

O corpo bem pouquinho acumulara blindagem
um olho estica-se aos pingos da chuva nas árvores
o outro já tentara estrelas e outros colírios
e a língua agora coberta de asfalto e frouxas sílabas

Meio-fio segurando com destreza a cabeça
o asfalto desarrumado, vidro e gritos moídos
teria de limpar-se do sangue da carne da eficaz
indiferença e vestir-se de rodas outra vez

Mantém-se disforme nódoa no espesso retrovisor
agarra-se ao olho e às mãos da repulsa
cola-se ao para-brisa apenas um olho
o outro esmagado na extensão do asfalto

Repisando alguns metros de sangue e pó
sem lá chegar, a pupila sem órbita a esticar-se
nessas ocasiões sem outro pálio ou fronteira
________
(*Poema premiado na fase estadual, edição 2011-2012, do Mapa Cultural Paulista, categoria Poesia)
–––––––––––
Sobre a foto acima:
A Ternura de um Passarinho
Aconteceu numa praça, no Japão.  Não se sabe como o pássaro morreu.  Ele estava ali no asfalto, inerte, sem vida. Segundo o relato do fotógrafo, uma outra ave permanecia próxima àquele corpo sem vida e ficara ali durante horas. Chamando pelo companheiro, ela pulava de galho em galho, sem temer os que se aproximavam, inclusive sem temer ao fotógrafo que se colocava bem próximo. Ela cantou num tom triste. Ela voou até o corpinho inerte, posou como querendo levantá-lo e alçou vôo até um jardim próximo. O fotógrafo entendeu o que ela pedia e, assim, foi até o meio da rua, retirou a ave morta e a colocou no canteiro indicado. Só então a ave solidária levantou vôo e, atrás dela, todo o bando. Segundo o relato de testemunhas, dezenas de aves, antes de partirem, sobrevoaram o corpinho do companheiro morto. Aquela ave que fez toda a cerimônia de despedida, quando o bando já ia alto, inesperadamente voltou ao corpo inerte no chão e, num grito de não aceitação da morte, tenta novamente chamar o companheiro à vida. Desesperada, mas com amor e carinho, ela se despede do companheiro, revelando o seu sentimento de dor.

Fonte do soneto:
Enviado por Nilto Maciel, de Literatura sem Fronteiras

Nenhum comentário: