( Nota: as palavras em itálico negritado possuem o seu significado no vocabulário gauchesco no final a postagem)
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Pintura em tecido, por Rosvita |
A Erva Mate foi descoberta pelos Índios Guaranis, antes do Descobrimento do Brasil. CAÁ – significa Erva Mate na linguagem Guarani, CAÁ-Y – significa a água da erva. Hoje mate amargo ou Chimarrão.
O Chimarrão, um grande patrimônio da Tradição Gaúcha, foi descoberto no atual Estado do Paraná, lá pelos idos do ano de 1554. Com as notícias da Prata, logo após a descoberta da América do Sul, muitos Europeus desembarcaram em nosso Continente, rumando para Assunção – Paraguai. Tentavam atingir a terra das valiosas minas, subindo pelo Rio da Prata. Foi numa dessas investidas que o governador de Assunção, IRALA, em 1554, descobriu o Mate Amargo. Partindo de Assunção o governador seguiu a leste, para conquistar terras para a Espanha e a busca de riquezas. Alcançando Guaíra, hoje Estado do Paraná, foi recepcionado, junto com a sua comitiva, por um povo indígena, que compunha uma Nação de 300.000 índios Guaranis. Ficaram impressionados com a hospitalidade jamais vista em suas andanças. Foram convidados a tomar uma bebida estimulante, que dava inspiração e proteção, ensinada por Tupã, Deus Indígena, aos pajés. Essa Erva era chamada pelos índios de “Erva Tupã”, porque era abençoada por Deus, seu mate produzia efeitos estimulantes e fortalecedores, ao corpo e ao espírito, para os guerreiros. Consistia em torrar as folhas de uma certa árvore silvestre, fragmentá-las e coloca-las num pequeno porongo, com água morna, quase quente, chupar com um canudinho de taquara. Um trançado de fibras de cascas e membranas de árvores, em sua base, impedia a ingestão de partículas das folhas, via canudinho. Era o CAÁ-Y, que também era consumido como chá, fervido e até mascado, sob a forma natural, em folhas verdes ou secas.
E disse o Hélio Moro Mariante em sua Fronteira do Vaivém:
Há uma árvore importante
Que nasce sem se plantar.
Sua folha é estimulante
Depois de se a sapecar.
É planta, mas chamam erva.
Dizem que as forças conserva,
Dos que a tomam no frequente
É chupada de um porongo
Com canudo e água quente.
A boa nova foi levada pelos expedicionários à Assunção e foi se espalhando por toda a América do Sul. A erva mate chegou a ser moeda corrente no Paraguai.
No início da era da erva mate a Igreja Católica foi sua fervorosa combatente. Os padres Franciscanos, em nome dos mais santos princípios da Igreja, instituíram a “excomunhão” dos que mateavam. Era o tempo da Inquisição. Eles chamavam a “erva do diabo”, por ter surgido no meio indígena, com a benção do deus Tupã.
Por isso Dimas Costa nos conta em sua Carta à Mãe Natureza:
– E assim é que o mate amargo
Tem muito de pago e china.
E a tradição é que ensina
Que o chimarrão, no passado,
Foi erva amaldiçoada
E por isso foi queimada
Por um conselho sagrado.
Então daí criou-se o hábito de quem prepara o mate toma o primeiro gole, para provar que ali não havia diabo algum. Foram muitas décadas de lutas da Igreja Católica, contra o uso da erva mate, porém o hábito invadiu o Continente. Até que a Igreja resolveu suspender o combate infrutífero. Formaram-se, então, dois grandes polos de produção, GUAÍRA, no Paraná, e Sete Povos das Missões, às margens do Rio Uruguai, no atual estado do Rio Grande do Sul.
Glaucus Saraiva realça em poesia o divino da erva mate:
Trazes à minha lembrança,
Neste teu sabor selvagem,
A mística beberagem,
Do feiticeiro charrua,
E o perfil da lança nua,
Encravada na coxilha,
Apontando firme a trilha,
Por onde rolou a história,
Empoeirada de glórias,
De tradição farroupilha.
No Rio Grande do Sul, quando se deixou brotar a tradicional hospitalidade Gaúcha, sempre esteve uma mão amiga estendida, alcançando o símbolo desse gesto, um chimarrão. Nas estâncias Gaúchas nunca faltaram às rodas de chimarrão. Nas charlas galponeiras, ao redor dos fogos de chão, entre um mate e outro, sempre foram tomadas as mais importantes decisões do curso de nossa história.
O momento do chimarrão é propício para se ordenar e planejar os negócios do dia. Ninguém mateia com pressa. A exploração da Erva Mate, como descoberta nativa, constituiu-se em grande fonte de divisas para o Rio Grande do Sul, principalmente pelos missioneiros, especialmente após a chegada ao pó da erva.
E o grande payador Jayme Caetano Braun em seu Potreiro de Guaxos explica:
É por isso meu patrício
Que não mateio solito
Embora o verde bendito
Pra mim seja mais que vício.
É o meu último munício
Que não dispenso nem largo
E peço a Deus, sem embargo,
Na xucreza do meu canto,
Que no céu me guarde um Santo
Parceiro para o Mate Amargo.
Cedo provei o Chimarrão. Via todo mundo sorvendo nas bombas de prata, via o topete da erva de um verde diferente dos outros porque a vida nela adormecera e esperava, e era como uma alusão misteriosa ao sabor que deveria subir lá de dentro da cuia. Via o mate correr entre homens e mulheres, entre os homens da casa da fazenda e no galpão, e pelos alpendres das manhãs acesas ou das tardes tristes, o mate obscuro das mulheres negras da cozinha nas tardes escuras de chuva, quando elas andavam silenciosas, descalças sobre os ladrilhos gastos, com a cuia na mão. (Reynaldo Moura – Romance no Rio Grande).
- Já o grande poeta Guilherme Shultz Filho, pinta o quadro poético que se emoldura:
Mate amargo! Que doçura!
Velha cuia de porongo!
Nesse teu feitio oblongo
Que parece um coração,
És toda uma tradição,
Todo um passado resumes!
Desde os singelos costumes
Do meu pago e minha gente
Velha cuia confidente!
Mate Amargo! CHIMARRÃO!
- O Amargo se expande na síntese de Aureliano de Figueiredo Pinto:
Com o porongo Africano
A bomba peninsular,
Erva do índio Americano
Três Continentes a dar
A sua contribuição
A democrata reunião
Fraterna que anima e puxa
E acende a veia Gaúcha
Nas charlas de um CHIMARRÃO.
- Eis que Valdomiro Sousa relembra um naco da nossa história:
Eis que a cuia me ensina:
Quando chegou Silva Paes,
Já Sepé entre os ervais
Tomava o seu chimarrão,
Feliz, na paisagem guasca.
Sepé que soberbo e ousado
Sucumbiu, despedaçado,
Por amor deste Rincão.
- E Hermelindo Cavalheiro ao mate amargo se aferra:
Chimarrão, vinho da terra
Onde na paz ou na guerra,
Seu apanágio é o valor,
Sempre foste para o gaúcho
Bebida simples sem luxo
Mas sem igual no sabor.
- O Grande cantor e compositor Lupicínio Rodrigues compôs:
Amigo boleie a perna,
Puxe o banco e vá sentando.
Descanse a palha na orelha,
E o crioulo, vá picando.
Enquanto a chaleira chia,
O Amargo vai cevando.
- E a poesia que imortalizou o Mate Amargo de Glaucus Saraiva:
CHIMARRÃO
Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.
Glaucus Saraiva também ensina como encilhar um mate:
UM POEMA AO CHIMARRÃO
Palmeio o velho porongo
derramo a erva com jeito
encosto a cuia no peito
batendo a erva pra um lado;
com os quatro dedos curvados
formo um topete bem feito.
Com um poquito de água morna
bem devagar despejado,
tenho o amargo ajeitado
que ponho a um canto pra inchar;
e espero a água esquentar
pitando o baio sovado.
A pava chiou no fogo.
Encho a cuia que promete;
a espuma se arremete
bem pra cima, borbulhando,
e acariciante, beijando,
branqueia todo o topete.
Agarro a bomba de prata,
tapo o bocal com o dedão,
calço o bojo bem no chão
da cuia e vou destapando
a bomba que vai chupando
um pouco de chimarrão.
Derramo outro pouco d'água
para aumentar o calor...
e o mate confortador
vou sorvendo em trago largo,
pois me saiu um amargo
despachado e roncador.
E do grande poeta Aureliano de Figueiredo Pinto nos brinda com esses maravilhosos versos:
CHIMARRÃO DA MADRUGADA
Não sei por que nesta noite
o sono velho sebruno
ergueu a clina e se foi!
E eu que arrelie ou me zangue.
Tenho olhos de ave da noite,
ouvidos de quero-quero
cordas de viola nos nervos
e uma secura no sangue.
Então, da marquesa salto
e vou direto ao galpão:
bato tição com tição
e a labareda clareia
os caibros do galpão alto.
Já a cuia bem enxaguada,
corto um cigarro daqueles
de reacender vinte vezes
num trote de quatro léguas
de uma chasqueira troteada.
E, quando a chaleira chia,
principio um chimarrão,
mais verde e mais topetudo
do que um mate de barão.
Me estabeleço num banco
pra gozar gole e fumaça,
pitando um naco de branco.
E entre tragada e golito
saludo mui despacito
cada recuerdo que passa.
É um gosto olhar os brasidos
E os luxos das labaredas
dançando rendas e sedas
para a ilusão dos sentidos.
E entre o amargo e a tragada
tranqueiam na madrugada
tantos recuerdos perdidos.
E o chimarrão macanudo
vai entrando pelo sangue!
Vai melhorando as macetas,
curando as juntas doridas
como água arisca de sanga
sobre loncas ressequidas.
O peito avoluma e arqueia
como cogote de potro.
E as ventas se abrem gulosas
por cheiro de madrugada.
- Potrilhos em disparada
num Setembro de alvoroto.
Ah! Sangue velho... Descubro
porque hoje estás de vigília:
- Dois séculos de Fronteiras.
de madrugadas campeiras,
de velhas guardas guerreiras
bombeando pampa e coxilha!
Por isso é que hoje não dormes!
Ouviste a voz de ancestrais:
-"O chimarrão principia”!
Alerta! O campo vigia!
Da meia-noite pra o dia
Um taura não dorme mais...
- O ato de tomar um mate é muito maior do que simplesmente ingerir uma bebida: É um ritual símbolo da cultura Gaúcha, uma tradição que une as pessoas.
Foste bebida selvagem
E hoje és tradição,
E só tu, meu chimarrão,
Que o gaúcho não despreza
Porque és o livro de reza
Que rezo junto ao fogão.
(Vitor Ramill)
continua… parte 2 (final)
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Vocabulário Gauchesco:
Alvoroto – Burburinho. Motim, revolta. O mesmo que alvoroço.
Bombeando – espionando, explorando, vigiando.
Brasidos – braseiros.
Charlas – conversas.
Charrua – Palavra que caracteriza os atuais habitantes do território outrora ocupado pela tribo Charrua, o que hoje equivale ao sul do Rio Grande do Sul e toda a República Oriental do Uruguai. Indivíduo que habita as regiões fronteiriças entre Brasil e Uruguai.
Chasqueira – diz-se do animal de trote duro.
China – Mulher guapa, valente. Tal gíria é muito utilizada em regiões da fronteira do estado do Rio Grande do Sul com o Uruguai.
Clina – O mesmo que "crina", pelagem comprida que fica no pescoço e/ou no rabo de animais como o cavalo.
Cogote – pescoço grosso.
Crioulo – cigarro de palha.
Despacito – devagar, vagarosamente.
Encilhar – colocar erva na cuia de chimarrão.
Guasca – correia, corda de couro cru. Tem sentido pejorativo também.
Lonca – couro fino do animal para costurar.
Macanudo – bom, poderoso.
Maceta – tornozelos inchados, dificuldade para andar.
Marquesa – espécie de cama muito larga.
Munício – gado de corte para alimentação dos soldados.
Pago – lugar em que nasceu.
Pava – chaleira.
Payador – quem escreve payada, que é uma forma de poesia improvisada vigente na Argentina, no Uruguai, no sul do Brasil e no Chile. É uma forma de repente em estrofes de 10 versos, de redondilha maior e rima ABBAACCDDC, com o acompanhamento de violão.
Porongo – 1. cuia de chimarrão. 2. Fruto não comestível, caracterizado por seu tamanho grande, formado por uma casca grossa e com sementes por dentro, sem polpa. Utilizado para confecção de cuias de chimarrão, berimbau (concha acústica), ou mesmo para fazer casas de passarinhos.
Recuerdos – lembranças, recordações.
Rincão – ponta de campo cercada de rios, matas.
Sanga – Pequeno riacho, córrego, com nascente própria e que geralmente deságua em rios ou lagos.
Sebruno – animal cavalar de pelo escuro.
Sepé – Sepé Tiaraju (1723 – 1756) foi um guerreiro indígena brasileiro, considerado santo popular e declarado "herói guarani missioneiro rio-grandense" por lei. Chefe indígena dos Sete Povos das Missões, liderou uma rebelião contra o Tratado de Madri.
Taquara – tipo de bambu.
Taura – individuo valente, destemido.
Fonte:
Texto enviado pelo autor.
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