domingo, 6 de outubro de 2019

Fernando Vasconcelos (Tertúlia da Saudade)


Ante a montanha serena,
é que o homem vê, com certeza,
como a criatura é pequena;
como é grande a natureza.

Ao criar toda grandeza,
em seu divino mister,
querendo amor e beleza,
Deus se esmerou na mulher.

A trova é coisa sucinta,
toda glória ao inventor...
só com pouquinho de tinta,
eu posso falar de amor.

Corre o homem a toda brida.
buscando mil emoções...
é cavalo de corrida,
no prado das Ilusões.

Deus deu ao Norte a salina,
para o cabra ter, quiçá,
no rigor de sua sina,
bem pertinho no jabá.

Esta saudade é um jeitinho
de estarmos juntos, nós dois;
de reviver teu carinho,
já tantos anos depois.

Faça este bom sonho arder,
no fundo do coração...
quando o querer é poder,
desejo se faz ação.

Palavras são universos,
aqui mesmo está a prova,
ao prender em quatro versos
o infinito de uma trova.

Pelo espírito picante,
as salinas, com esmero,
em colóquio incessante,
vão dando aos mares tempero.

Preso nas encruzilhadas,
bem depois de tantas fugas,
rolam lágrimas cansadas.
por velhas trilhas de rugas.

Quem do verso tem a lida,
a trova trazendo a lume.
porta a lâmina da vida
e usa bem certo o seu gume.

Quem já viu só tem certeza
e guarda no coração...
não há uma maior beleza
que um olhar de gratidão.

Quis a vida minha sina
fosse loucura qualquer,
por estes olhos menina;
por este corpo mulher.

Sinta forte, queira fundo,
nada move mais a gente,
nas estradas deste mundo,
que puro desejo ardente.

Solidão, estado d'alma
que não tem definição...
quando temos toda calma
a gerar agitação.

Solidão, este vazio,
vil chuva de pranto, em vão,
com gosto seco de estio,
sem definir a estação.

Um clima que, então, existe.
lembre-se disso, ó irmão...
estar só não é tão triste.
quanto sentir solidão.

Um rico conhecimento
é certo e trago comigo:
para quem não vive atento,
o desejo é um perigo.

Vendo tão calma a montanha,
não traz suspeita a visão,
de que, em sua rude entranha,
pode dormir um vulcão.

Vento que ondula copadas,
nesta sina de viajor
leve, nas tantas jornadas,
as nossas trovas de amor.

Fonte:
Fernando Vasconcelos. Estou nascendo para a trova. Ponta Grossa/PR: Gráfica Planeta, 1994.

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