Frei João Sem Cuidados era, como pelo seu nome facilmente se depreenderá, um alegre fradinho simpático, despreocupado e um tudo-nada preguiçoso. Era anafado (gordo), tinhas as faces coradas e uns grandes olhos azuis de criança onde não havia lugar para a malícia. Quer chovesse, quer trovejasse, para Frei João todos os dias eram bons para louvar o Senhor Deus.
Um dia, o rei mandou que o trouxessem à sua presença.
- Ouvi dizer que tu és uma pessoa sem preocupações na vida - disse-lhe o rei.
- É verdade, Majestade! - respondeu o fradinho de sorriso prazenteiro, as mãos cruzadas sobre a barriga, pensando já nalguma moeda de ouro ou, melhor ainda, nalgum leitão assado com que o rei iria certamente presenteá-lo, depois de o ter feito vir até ao palácio.
- Não é justo - retorquiu o rei, decepcionado. - Tu, um simples frade, és tão feliz, e eu então, pela parte que me toca nesta vida, tenho tantas preocupações!
Enquanto o rei assim falava, o sorriso de Frei João ia esmorecendo.
- Pois, fica sabendo que amanhã terás que voltar aqui ao palácio e terás que me responder a três perguntar que te vou fazer.
- E que perguntas são essas, Majestade? - inquiriu Frei João, já apreensivo.
- A primeira pergunta é: «Quanta água tem o mar?». A segunda é: «Quanto pesa a Lua?» e a terceira: «O que é que eu estou a pensar?».
Frei João Sem Cuidados despediu-se e saiu, desta vez não fazendo jus ao nome por que era conhecido, já que o rei tinha efetivamente conseguido deixá-lo muito preocupado, pois não fazia a menor ideia das respostas que deveria dar no dia seguinte. Ele, habitualmente tão alegre e bem disposto, estava com um semblante tão infeliz que metia dó. Pelo caminho encontrou o moleiro, seu amigo desde sempre.
- Que tens tu, Frei João? Estás com uma cara que parece que te morreu alguém.
Frei João contou ao moleiro a conversa que tinha tido com o rei, as perguntas que Sua Majestade lhe fizera e a aflição em que estava por não saber o que responder.
- Ah, então, é só isso? Ora deixa cá ver o teu hábito que amanhã quem vai ao palácio sou eu, e não te preocupes, que o rei não há de ficar sem respostas para as suas perguntas.
No dia seguinte, o moleiro apresentou-se no palácio vestido de frade, com o capuz pela cabeça. O rei nem se apercebeu da troca de personagens, e logo perguntou:
- Ah, já cá estás! Então vamos lá a saber: quanta água tem o mar?
- Saiba Vossa Majestade que será muito fácil saber-se quanta água existe no mar, mas primeiro terá Vossa Majestade que mandar tapar todos os rios que nele desaguam.
- Essa é boa! Então, e quanto é que pesa a Lua? - continuou o rei a perguntar.
- Saiba Vossa Majestade que a Lua pesa um quilo certinho, porque eu sempre ouvi dizer que ela tem quatro quartos - respondeu o moleiro.
- Está bem. Isso é verdade. E já agora, também me saberás dizer em que é que eu estou a pensar...? - voltou o rei à carga.
- Vossa Majestade pensa que está a falar com Frei João Sem Cuidados, mas está a falar com o seu moleiro - e dizendo isto despiu o hábito.
Fonte:
David Martins. Estórias e Lendas de Encantar
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