PRELÚDIO DA GOTA D' ÁGUA
Cheio da tua ausência me angustio
a cada hora que passa... a cada instante...
- pelo meu pensamento, como um fio,
és uma gota d'água, tremulante...
Uma gota suspensa e cintilante,
límpida e imóvel como um desafio...
Tua ausência, - é a presença triunfante
daquela gota que ficou no fio. . .
As outras todas, céleres, pingaram,
e caíram na terra onde secaram,
só tu ficaste, última gota, assim
como uma estrela sem ter firmamento,
suspensa ao fio do meu pensamento
e a brilhar, sem cair... dentro de mim...
PROCURA
Vou seguindo meu caminho
a procurar-me.
Estarei na estrela? Na vaga do mar?
Atrás da montanha? Na água que corre
estarei?
Na rua, no avião, no pássaro livre
no gesto do galho, na gota de chuva,
na rosa vermelha, no canto da criança
estarei?
Difícil é achar-me
disperso me encontro
na face das coisas
que chegam, que passam
Um olho no rio, um pé no caminho,
o sangue na aurora, as mãos pelo mar,
quem sabe onde estou?
Talvez passe junto a mim mesmo, quem sabe?
Me olho nos olhos, me toco nas mãos,
me falo e respondo
não me reconheço.
Vou seguindo meu caminho
a procurar-me.
PROFECIA
Enamorada de ti mesma,
- no espelho das águas que refletem tua beleza,-
enamorada da vida,
tu te ofereces ousadamente e te debruças distraída
sobre a correnteza...
Um dia, tuas ramagens ferirão o espelho das águas
e tudo se nublará,
teu corpo sem firmeza tombará finalmente,
e a correnteza há de te arrebatar
indiferente
e má...
Só então, quando te fores arrastada, em desvario,
vendo a terra fugir, sem poderes voltar,
sentirás como é fria a água turva do rio
e inquietante a ameaça, o mistério do mar!
QUE IMPORTA SE CHOVE?
Que importa se chove? Eu não vejo a tristeza do céu
eu vejo é a alegria da terra.
Que importa se a chuva nos espia curiosa
com seus olhos nublados, nas janelas. . .
Eu não vejo a tristeza do céu, eu sinto é a alegria da terra
que exulta no teu corpo,
eu vejo é o Sol que brilha nesta noite de chuva
em teu olhar ...
Eu não ouço a música da chuva na noite
nem o vento a bater nas arestas das casas
- ouço é a alegria das folhagens inquietas
batendo as asas ...
Que importa se chove, e se há vento, e se há frio,
- se aqui no nosso leito há carinho e calor?
Minha alma não quer sentir a chuva,
nem olhar com tristeza os que passam na rua
ao relento,
porque minha alma se comove.
Neste momento
minha alma quer ficar é juntinho da tua...
- e ... que importa se chove?
RAZÕES
Pensarás que é mentira e é no entanto verdade
- mas me afasto de ti, propositadamente,
pelo estranho prazer de sentir que a saudade
ainda torna maior o coração da gente...
Parto! Bem sei que parto sem necessidade!
Quero ver os teus olhos turvos, de repente,
embora não compreenda essa felicidade
que assim te faz sofrer comigo inutilmente!
Quero ouvir-te na hora da despedida
que eu volte bem depressa para a tua vida,
- quero no último beijo um soluço interior...
Que enquanto ficas só, e enquanto vou sozinho,
sabemos que a saudade vai tecendo o ninho
que há de aquecer na volta o nosso eterno amor!
RECEIO
Receio de que o anos passem, - e eu sozinho
me deixe para trás, e reconheça então
que fiquei sem ninguém a meio do caminho
e meu sonho de glória esboroou-se no chão
Receio de ser tarde, e quando erguer a mão
a flor cair... cair a flor... ficar o espinho...
Receio de que seja apenas ilusão
a ilusão que ideei a afago com carinho...
Receio de que tudo afinal seja nada,
- e a noite, a grande noite inesperada e escura
me atropele o percurso em meio da jornada...
Receio de que um grito estrangule o meu hino,
- e eu tenha que parar, na infinita amargura
de não ter completado o meu próprio destino!
ROSA DE VIDRO
Rosa de Vidro
límpida rosa
mistério puro
imagem só.
Quem te plantou?
Quem te regou?
Na luz flutuas
na sombra és luz!
Rosa de vidro
do pensamento.
Tão transparentes
são tuas pétalas
como o ar de ouro
na alta montanha.
Súbita imagem
de escuro abismo,
no alto da rocha
cheia de sol
toca-te o vento
oscilas, cantas.
Rosa de Vidro
doce mistério
da fixa ideia,
estrela mágica
de cinco pétalas
que os cinco dedos
querem tocar.
Rosa de Vidro
Minha obsessão,
que no mistério
da criação
brotou, brotou.
Louco alpinista
quero alcançar-te,
raro Edelweíss
quem sabe, quando?
Quem sabe, a queda
antes de ver-te
e de tocar-te
Rosa de Vidro.
Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2.
SP: Ed. Theor, 1965.
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