terça-feira, 29 de outubro de 2019

Apollo Taborda França (O Corvo)


do clássico de Edgard Allan Poe (EUA)
À meia-noite, sombria,
Eu triste, lendo manuais. . .
Ouvi sons de quem batia,
Para entrar em meus umbrais.
— Isto posto e nada mais!

Foi num pérfido dezembro,
Na saudade de Lenora…
Sinto bem, como me lembro,
Pela morte ela se fora.
— Para mim não volta mais!

Nesta lúgubre noitada,
Está alguém que pede abrigo…
A livrar-se da nortada,
Ou de um atroz inimigo.
— Penso nisso e nada mais!

Inseguro, ponderei,
Quem bate tenha paciência...
Quase em sono atendo à lei
Do refúgio, na insistência.
— Porta aberta e nada mais!

Perquiri lá fora além,
Tudo escuro, ânsia e medo…
Nem de Lenora, também.
Pra abrandar meu acre enredo.
— Só silêncio e nada mais!

Novamente o grave ruído
Faz vibrar os meus vitrais,,.
Mais plangente que um gemido,
Desses ermos sepulcrais.
— É o vento e nada mais!

Abro a janela, de chofre,
Entra um vulto, me observa...
Um Corvo, odor de enxofre,
Vem, pousa em minha Minerva.
— Fica ali e nada mais!

Surpreendido com a figura,
Esqueço as dores morais...
Qual seu nome, ó negrura
Dos tempos bem ancestrais?
— Disse o Corvo: "Nunca mais!"

Nunca ouvi falar um corvo,
Nem qualquer outro animal…
Grande enigma absorvo,
Pois, que foge ao racional,
— Crocitando: "Nunca mais!"

E não disse uma outra cousa,
Nem uma pena moveu...
Até amigos vão-se à lousa,
E você, volta ao museu?
— A resposta: "Nunca mais!"

Sempre iguais, duas palavras,
Aprendeu não sei de quem..,
Termos de doridas lavras
Do seu dono que é ninguém.
— Sempre o nunca: "Nunca mais!"

Perturbado, na cadeira,
Fui mudando a posição...
Será a frase derradeira,
Ou há nisso uma intenção?
— Expressando: "Nunca mais!"

Olhar duro, penetrante,
Me angustiava no coxim...
Ela ausente, eu hesitante,
Nunca sofri nada assim.
— Suportando o "Nunca mais!"

Ar difuso, perfumado
Qual incenso celestial…
Penso nela, sou coitado,
Não a esqueço é meu ritual,
— Grasna o Corvo: "Nunca mais!"

Satanás ou ave preta,
Tlins quebrados de cristais…
Há um bálsamo, não treta,
Pra findar estes meus ais?
— Ouço a saga: "Nunca mais!"

Profeta ou fero bruxo,
Pelo Deus que é dos mortais...
Volta ela, num refluxo,
Dessas hostes abismais?
— Geme o Corvo: "Nunca mais!"

Nos separe a sua fala,
Vai-te às trevas infernais…
Não o quero em minha sala,
Sumam lembranças que tais.
— Implacável: "Nunca mais!"

Segue a noite, densa e nua,
Suas sombras são punhais…
Ave-diabo continua
Desafiando os meus ideais.
— Libertar-me… nunca mais!

(Curitiba-PR, 12.10.1988)
Fonte:
Apollo Taborda França. 10 Grande Temas (clássicos) da Literatura. Curitiba/PR: Gráfica Vitória, 1989.
Livro enviado por Vânia Ennes.

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