A rede rangia nos caibros. Ia e vinha, cadenciada. Ele olhava para o telhado, olhos perdidos. De tempo em tempo, dava novo impulso à rede, um dos pés no chão. O rangido se fazia mais acelerado e áspero.
Grande tolice embalar-se numa rede, quando havia um mundo inteiro em correrias. Àquela hora, seria enorme o burburinho nas ruas. Podia estar em qualquer delas, indo e vindo, à toa. Uma ou outra mulher sorririam para ele. Daí, quem sabe, nasceria um novo amor. E adeus embalos na rede, sozinho.
Não, não se sentia mais cansado. Tudo mentira, aliás. Nem cansaço nem sono.
Súbito freou o balanço da rede e saltou para o meio do aposento. Queria uma toalha. A mãe se inquietou. Outro banho? Não, só barba.
Num minuto, encheu a cara de espuma. A mãe resmungava. Um ou dois pequenos cortes no queixo. Como sempre.
Tal pressa, tal ânsia. A noite o chamava. Olhou para um lado e outro. Aspirou a alfazema do ar. Na esquina, uma saia tremulava.
Cachorros passeavam, indolentes, calados e imprudentes pelas ruas. Televisores nas salas cheios de galãs luzidios e heroínas glamorosas.
A saia da esquina desapareceu. Talvez tivesse ido jantar. Uma voz rouca gritava dores e amores.
Entrou no bar. Uma cerveja a mais não o engordaria tanto. Além disso, tinha sede. Em questão de minutos secaria a garrafa. Nada de pressa, porém. A noite apenas começava.
Contou casos, inventou, relembrou. O homem atrás do balcão ouvia e ria. Outra cerveja. O cantor continuasse a gritar dores e amores. Até motivava a lembrança.
A sede desaparecia. Porém, não havia pressa. Os galãs ainda se desdentavam na boca das heroínas.
Mais um caso pela metade, quando uma saia e um sorriso dobraram a esquina. Só podia ser ela. Sim, a dos seus sonhos. A esperada, a desejada. Daquela noite não escaparia.
Grande tolice embriagar-se num bar, quando havia um mundo inteiro de fantasias. E aquela moça escondida, medrosa, tão pura.
***
Nas primeiras noites, só promessas, beijinhos, afagos. Quando ia dormir, ela se retorcia na cama, mordia os lençóis, se arrepiava. Ele ia atrás de outras mulheres. Pagava e dormia em paz.
Depois, ela não mais se retorcia na cama, nem mordia os lençóis nem se arrepiava. Nem ele ia mais atrás de outras mulheres. Véu e grinalda ficavam para o futuro.
Passados meses e anos, vez por outra se encontravam. Ela ainda falava em véu e grinalda. Ele mudava de assunto, se aborrecia e ia atrás de outras mulheres. Ou voltava ao bar, para contar casos ao homem atrás do balcão e ouvir os gritos de amor e dor do cantorzinho.
***
No último carnaval, os dois brincaram juntos. Ele se fantasiou como pôde. Ela se vestiu de nudez. E foliaram, dançaram, pularam, como nunca. Ele bebia sem parar. Suava, cantava, cambaleava.
Súbito, parou no meio do salão. E gritou: não queria mais aquela mulher. Quem quisesse, levasse.
Ela se pôs a chorar. Ele ria, gargalhava, abraçado a fogosas colombinas.
Ela saiu. Na rua, os cães latiam. Era madrugada.
Sozinha, a fantasia suada, ela caminhava pelos becos. Uma voz rouca gritava dores e amores.
Entrou no bar. Tinha sede. O homem atrás do balcão ria.
Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Nilto Maciel. Tempos de Mula Preta, contos. Secretaria da Cultura do Ceará: 1981.
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