quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Teresinka Pereira (Poemas Recolhidos) III


A IMPORTÂNCIA DA ANDORINHA

Alguém disse que uma andorinha só
pode fazer o verão,
além de outras coisas,
sem o truque dos sonhos.
E até mesmo sem o pedaço do céu
que nos abriga pela tarde.

A andorinha em questão,
se faz palavra de calor,
rosa de verão, esperança
cotidiana de transitar
sobre a vida,
sobre as esperas
e a ansiedade.

Uma andorinha só, que
se enlouquece e de repente
volta ao sendeiro de onde
partiu: caminho de aurora,
coração de mel, repetida
negação de nosso ateísmo.

DE MAIOR IMPORTÂNCIA

Decidi que hoje não trabalho:
vou só viver!

Declaro que meu testemunho
desta semana vai ser
minha liberação
desta fatalidade
de estar presente no planeta.

Hoje descobri que
tenho séculos marcados
nos meus genes e que
meu polimorfismo
é vão mas autêntico.

Não me surpreende
que hoje me sinta
mais importante
que o pôr do sol.

ESTOU SÓ

Vivo na alternativa
para não me assustar
com a realidade presente.

Vivo o apocalipse
como um animal selvagem
que finge de morto
para enganar o inimigo
ameaçador.

Vivo com o coração vazio
com medo de amar
o próprio paraíso do amor.

Nada quero ganhar
para nada perder
no diamante da noite.

Minha língua é volúvel:
digo palavras de pedra
e depois faço silêncio
para ouvir o vento.

ESPERANÇA

Na senda de teu amor
busquei meu doce céu,
meus verdes bosques
e água pura.

Os mais lindos prazeres
desfrutei em teu carinho.

Que fazer agora
que meu inocente passo
se distanciou de ti
e que tudo se vê tão triste...

De nossa paz brotou
uma dura sombra
e na poesia cresce o pranto...

Talvez no sábio tempo futuro
haja ainda uma faísca
de esperança para o amor!

NÃO VIVEMOS

Não vivemos, só morremos.
Isso nos dizem na escola,
na igreja e na família.
Dizem que a morte é bela,
mas a mim me parece sórdido
que os vivos dependam
das mortes dos heróis
para seguir vivendo
sua própria morte.

A primavera vem a meio passo
e morre antes da última flor.
A luz do dia é linda,
mas é durante a noite
que nos aliviamos
de nossa tristeza de viver.

O sol é mais humilde que a flor
e os sonhos são
muito mais eloquentes
que as vitórias do amor.

É uma total alucinação viver
sem um sonho puro porque
cada manhã a luz aberta
nos rouba do tempo
e do ébrio segredo da vida.

NOSSA REALIDADE

É necessário ser verdadeiros
até mesmo nos sorrisos,
nas palavras com as quais
cumprimentamos e nas que
pomos nos versos.

Os rastros imprevistos
não valem para salvar
nossa altaneira conveniência,
nem as esperanças servem
para salvar as difíceis distâncias.

É necessário cortar
todos os voos
de intermináveis quimeras,
multiplicar os avanços
da cotidiana tristeza
e o silêncio no qual
a tropeços caminhamos sós
rendidos à nossa simples
realidade.

OUTRO POEMA

Meu teclado, entre sombras,
acostumado que está à amargura,
tem soberbas cicatrizes.

Entretanto vou pensando sempre
nas profundas paixões
que produzem a morte ébria,
calada e desnuda, quando ataca
a um anjo na solidão.

Tenho meu peito ferido
com sangrenta violência:
harpas clandestinas me roubaram
além das alegrias e tristezas,
meu hábito de perpétuo espanto.

SE VOCÊ NÃO ESTÁ...

E agora que eu quero
recordar seus olhos,
onde estão?

Que cor de vivacidade
positivista os vestem hoje?

E quando quero romper
a palavra e o costume,
que inútil me sinto
se você não está?

Homens como você
não agarram o tempo
com as mãos ocupadas
na fogueira do calendário...

Por isso, me admiro
que me consideres
e não te esqueças de
regressar à nostalgia
desta tarde cor de cinza
para sufocar os outros ídolos
de minha paciente ternura.

Fonte:
Poemas enviados pela poetisa

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