sábado, 26 de outubro de 2019

Heitor Stockler de França (Poemas Avulsos) II


AO ARREBOL DA TARDE
A casa onde ela mora fica à beira
De um bosque de pinheiros e rosais…
Tem na porta da entrada uma roseira
E glicínias nas cercas laterais.

Quando à tardinha, nuances augurais
Marcam no poente a hora derradeira
De um dia que se foi como outros mais,
Levando a mágoa, os sonhos, a canseira.

Ela, a desabrochar, botão de rosa
Abrindo para a vida tumultuosa
As pétalas de seda cor de opala,

Medita, na alma excêntrica do amor,
Que quanto mais nos causa dissabor,
Tanto mais prende e ao coração nos fala!…

CRISÁLIDAS

Crisálidas? Oh! não. Borboletas do amor,
Borboletas ideais
Que têm nas asas de ouro, pólen sedutor.

Borboletas que quando adejam nos florais
De um sonho encantador,
Parece que se vão, entoando madrigais…

Crisálidas? Oh! não.
Borboletas azuis de antenas perfumadas
Como um cravo em botão!...

Borboletas douradas,
Tão douradas, talvez, como a nossa ilusão,
Borboletas douradas ...

De asas feitas de paina e pétalas de rosas,
Numa manhã de sol e brisas odorosas.

Volitai, volitai, ó lindas borboletas,
Entre festões de palmas e violetas!

Que este belo festim, faça em alacridade
A velhice vibrar, vibrar a mocidade!...

DELICIOSO ANSEIO

Que bom estar contigo, além, distante,
Num recanto propício a namorados;
Onde se possa andar de braços dados,
Na asa de um sonho casto e delirante.

Que bom sentir a estuar teu colo arfante,
Ouvir tua voz de arpejos modulados,
Beijar os teus cabelos ondulados,
Embevecido — aventurado amante.

Enfim, que bom poder guardar comigo,
O veludo do teu olhar amigo,
Na volúpia de tua sedução.

Para depois, na minha soledade,
Fazer dessa ventura uma saudade,
Perene, viva no meu coração!…

E SÓ PORQUE TE ESPERO

Canto as horas, minutos, conto os dias
Que faltam para vires, ó Setembro,
E quase desespero.
E só porque te espero
Se me     afigura que te distancias
E ainda, estás mais longe que Dezembro!

Entanto, estás tão perto, à nossa porta
Sente-se o hálito da Primavera
Embalsamando os ares.
E logo que chegares,
Ressurgirá toda a verdura morta,
Na floração de gala que se esmera,

Bizarro mês dos poentes de rubi
E enluaradas noites vaporosas.
É sob o teu condão,
De eterna sedução,
Que a natureza vigorosa ri
Pela boca dos cravos e das rosas.

E só porque te espero
Se me afigura que te distancias
E, ainda, estás mais longe que Dezembro!
Mas, me conforto e já não desespero,
Porque hás de vir na pompa de áureos dias,
O rútilo Setembro!…

PRIMAVERA DO POETA

Nestas lindas manhãs edênicas de outubro,
De aroma de rosais e firmamento rubro,

Como é imponente o sol pelo infinito afora,
Após haver pintado o rosicler da aurora,

A Primavera é como uma mulher de gosto
Que aprimora o seu traje e a beleza do rosto . ..

É uma noiva feliz que desconhece a mágoa,
A espelhar-se no azul da transparência d'água.

Veste-se de esmeralda, ama o vivo das cores
E como pó de arroz usa o pólen das flores.

Banha-se de manhã no rócio perfumado
E traz sobre a cabeça a coifa de noivado.

Ela é o filtro do poeta e as tintas do pintor,
As cambiâncias da luz e os fascínios do amor.

Ó Primavera ideal, como vibro ao chegares,
Ao sentir-te no olor puríssimo dos ares,

Ao lembrar-me de ti, pensando que te vejo,
Parece-me que vou seguindo o teu cortejo.

E nessa ânsia febril de ver-te e de adorar-te,
Julgo que estou contigo aqui e em toda a parte.

Ó Primavera em flor! Neste justo alvoroço,
Eu deponho aos teus pés, meu coração de moço!…

  SONHO NUPCIAL
Manhã sublime aquela... que saudade!…
Como tocou minh'alma essa manhã.
O céu de anil se fez cor de romã,
Num arrebol de estranha claridade.

Julguei me, então, ria Hélade pagã...
Vi a aurora assistir com majestade
Romper o dia e ouvi, na imensidade,
Ecoar a flauta mágica de Pã.

E que vontade de partir...     Parti,
Para onde estavas a buscar-te, a ti,
Como quem busca um luminoso ideal.

E ao encontrar-te, que ventura imensa!...
Senti que dominei tua indiferença
E vislumbrei meu sonho nupcial!...

TEU CHALEZINHO
Teu chalezinho é um cromo, uma aquarela,
Mago arrebol que emerge da verdura...
Nele o teu fino gosto se revela,
Na estesia, na graça e na ventura.

Bem como a mim, a todos se afigura,
Que ali o teu sonho alcandorado vela,
Ante a maciez da calma e da doçura
De um céu azul que à noite se constela.

E é um bálsamo a quietude dos jardins,
Onde há essências de cravos e jasmins,
Narcóticos de estranha suavidade.

Vives, assim, no mais gracioso enlevo,
Como que à sombra de um enorme trevo,
Sob o fascínio da felicidade.

VENDEDOR DE JORNAIS

Olha o DIA, a GAZETA... olha o DIÁRIO
Em gritos estridentes anuncia
O garoto irrequieto, extraordinário,
Apenas o arrebol debuxa o dia.

Incauto, ao léu da sorte, pelo estuário
Da vida incerta, mesmo sem um guia,
É o sol da rua, o arauto-legionário
Do que a imprensa da terra noticia.

E embora caia a chuva, açoitem ventos
E frio glacial lhe tolha os movimentos
Do corpo forte, enérgico e jovial,

Corre a cidade em seu mister honroso,
Voltando à casa, à noite, vitorioso,
Como um Cruzado estoico do jornal!

Fonte:
Heitor Stockler de França. Curitiba e o sol: poesias. Curitiba/PR: Senai, 1983.
Livro enviado por Vânia Ennes.

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