Francisco Miguel de Moura
Teresina/PI
A LÍNGUA
A língua portuguesa que falamos
palmilhou, no Brasil, ínvios caminhos,
ganhando mais bondades e carinhos,
debaixo deste sol que muito amamos.
Junto à mãe preta e junto à índia em flor,
o português saudoso em seu transporte,
aqui chegado do hemisfério norte,
pega brilho na voz, nos olhos, cor.
Selvagem, forte, dúctil, na verdade,
rica e serena, triste na saudade,
franca nas decisões, porém com calma.
A língua portuguesa é, docemente,
a minha voz (e a de milhões de gente)
como parte profunda de minh’alma.
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Olavo Bilac
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918
LÍNGUA PORTUGUESA
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
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Oldney Lopes
Brumadinho/MG
POEMA À LÍNGUA PORTUGUESA
A língua portuguesa que amo tanto
Que canto enquanto encanto-me ao ouvi-la
Em cada canto é fala, é riso, é pranto
E nada há que a cale e que a repila.
É essa língua tórrida e faceira
Inebriante e meiga e doce e audaz
Que envolve e enleia a gente brasileira
E quem a utiliza é quem a faz.
É a língua dos domingos, no barzinho
A mesma das segundas, no escritório
A que fala o andrajoso, no caminho
E o cientista, no laboratório.
É a mesma língua, embora evoluída,
Que veio de outras terras com Cabral
Escrita por Caminha, foi trazida
Na descoberta do Monte Pascoal
Não há quem fale errado ou fale mal
De norte a sul, é belo o que é falado
Na língua de Brasil e Portugal.
Para julgar quem fala certo ou fala errado
Não há no mundo lei, nem haverá:
Quem faz da fala língua, é quem a fala
Gramática nenhuma a calará
Gramático nenhum irá cegá-la*!
(*Referência ao gramático Domingos Paschoal Cegalla, autor da Novíssima Gramática da Língua Portuguesa.)
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Paulo Leminski
Curitiba/PR, 1944 – 1989
O ASSASSINO ERA O ESCRIBA
Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito
inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular
com um paradigma da 1ª conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético
de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
****************************************
Salvador Araújo
Teófilo Otoni/MG
MADAME PORTUGUESA
Quando vejo você sorrindo
Não sei se é de mim ou por mim
Aí vejo interrogações queixosas
Você é como rosas
De perfume e de espinhos
Ou caminhos
De rumos diferentes
Mas mesmo assim
O hífen me liga a você
Você é uma vírgula
Quando olha para mim
Demora pouco
É uma exclamação
Quando é apenas você
Pois me faz entender
Que é a mais bela
Radiante como estrela
Fulgurante e passiva
No céu de minhas imaginações
Você é dois-pontos
Quando quer me falar
Gosta de despedaçar
As palavras em reticências
Para não falar de uma vez
Talvez
Para me deixar mais louco por você
Seu ponto-e-vírgula demora
Apenas o piscar dos meus olhos
Sem parágrafo nem travessão
Suas aspas não me abraçam
Nem me fazem especial
No meu triste ecossistema
Você é um trema
Circunflexos que cobrem minha cabeça
Til que só acentua palavras como ilusão
E no meu mundo sempre cheia de razão
Você é o apóstrofo de que nunca me esqueço
Crases ou agudos que não mereço
Oh Língua
Você é
Sem parênteses
Ponto-final
Curitiba/PR, 1944 – 1989
O ASSASSINO ERA O ESCRIBA
Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito
inexistente.
Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida, regular
com um paradigma da 1ª conjugação.
Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,
ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético
de nos torturar com um aposto.
Casou com uma regência.
Foi infeliz.
Era possessivo como um pronome.
E ela era bitransitiva.
Tentou ir para os EUA.
Não deu.
Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.
A interjeição do bigode declinava partículas expletivas,
conetivos e agentes da passiva, o tempo todo.
Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.
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Salvador Araújo
Teófilo Otoni/MG
MADAME PORTUGUESA
Quando vejo você sorrindo
Não sei se é de mim ou por mim
Aí vejo interrogações queixosas
Você é como rosas
De perfume e de espinhos
Ou caminhos
De rumos diferentes
Mas mesmo assim
O hífen me liga a você
Você é uma vírgula
Quando olha para mim
Demora pouco
É uma exclamação
Quando é apenas você
Pois me faz entender
Que é a mais bela
Radiante como estrela
Fulgurante e passiva
No céu de minhas imaginações
Você é dois-pontos
Quando quer me falar
Gosta de despedaçar
As palavras em reticências
Para não falar de uma vez
Talvez
Para me deixar mais louco por você
Seu ponto-e-vírgula demora
Apenas o piscar dos meus olhos
Sem parágrafo nem travessão
Suas aspas não me abraçam
Nem me fazem especial
No meu triste ecossistema
Você é um trema
Circunflexos que cobrem minha cabeça
Til que só acentua palavras como ilusão
E no meu mundo sempre cheia de razão
Você é o apóstrofo de que nunca me esqueço
Crases ou agudos que não mereço
Oh Língua
Você é
Sem parênteses
Ponto-final
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