Imagem santa que entrevejo em sonho,
Sempre, sempre a cantar,
Criatura inocente, anjo risonho,
Que me ensinaste a amar!
Meu doce amor! Calhandra maviosa
Que canta dentro em mim;
Minha esperança tímida e formosa,
Meu sonho de marfim!
Amaranto do céu, flor encantada,
Mimoso colibri;
Minha açucena pálida e magoada,
Meu níveo bogari;
Gota de orvalho a tremular num lírio
Que mal começa a abrir;
Ó tu que apagas meu cruel martírio
E que me fazes rir;
Madressilva entreaberta, lira de ouro,
Celeste beija-flor;
Minha camélia, meu sorriso louro,
Amor de meu amor;
Guarda estes versos que só dizem mágoa
E tristezas sem fim...
Deixa-os no seio como a gota d’água
No cálix de um jasmim...
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À MINHA AVÓ
Minh’alma vai cantar, alma sagrada!
Raio de sol dos meus primeiros dias...
Gota de luz nas regiões sombrias
De minha vida triste e amargurada.
Minh’alma vai cantar, velhinha amada!
Rio onde correm minhas alegrias...
Anjo bendito que me refugias
Nas tuas asas contra a sina irada!
Minh’alma vai cantar... Transforma o seio
Num cofre santo de carícias cheio,
Para este livro todo o meu tesouro...
Eu quero vê-lo, em desejada calma,
No rico santuário de tu’alma...
— Hóstia guardada num cibório de ouro! –
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ANTONIETA
Esta criança formosa
Tem um sorriso argentino,
Como o gorjeio divino
Que solta uma ave saudosa.
Muito inocente e mimosa,
Semelha um lírio franzino,
No rostinho pequenino
Guarda uma boca de rosa.
Se fala, a voz adorada
É como uma harpa encantada
Que os hinos de Além encerra,
Esta criança, Senhor!
É um mimo de teu amor,
Um anjo descido à terra.
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SÚPLICA
Se tudo foge e tudo desaparece,
Se tudo cai ao vento da Desgraça,
Se a vida é o sopro que nos lábios passa
Gelando o ardor da derradeira prece;
Se o sonho chora e geme e desfalece
Dentro do coração que o amor enlaça,
Se a rosa murcha inda em botão, e a graça
Da moça foge quando a idade cresce;
Se Deus transforma em sua lei tão pura
A dor das almas que o ideal tortura
Na demência feliz de pobres loucos...
Se a água do rio para o oceano corre,
Se tudo cai, Senhor! por que não morre
A dor sem fim que me devora aos poucos?
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TRANÇA LOURA
A linda trança dourada
Que eu vi domingo à noitinha,
Guardava a maciez amada
Das penas de uma andorinha.
Recordava uma esperança
Bordada com fios d’ouro...
Ó doce e mimosa trança,
Meu raio de sol tão louro!
Ventura, sonho, alegria,
Tudo se resume ali...
Para tecer serviria
O ninho de um colibri.
Era já noite, e, no entanto,
A loura madeixa olhando,
Cuidei que, cheio de encanto,
O dia vinha raiando.
Deus fez-la numa redoma
De beijos, de luz, de amor,
E deu-lhe o sagrado aroma
Das madressilvas em flor.
Ah! sobre aqueles risonhos,
Dourados, macios folhos,
Quem dera embalar meus sonhos,
Quem dera cerrar meus olhos!
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TEUS ANOS
Teus anos amanhã. Fui ver, contente,
(E como procurei por toda parte!)
Um mimo que te desse... e achei, somente,
Meu triste coração, mimo sem arte.
Mas... o que dirás tu quando, de leve,
Bem cedinho batendo à tua porta,
Vires meu coração frio, de neve,
Pobre flor sem perfume e quase morta?
Manda-o entrar... E diz, ó doce amada!
Que ele se aqueça desse olhar no brilho...
Vai de tão longe te pedir pousada:
Deixa-o ficar no berço de teu filho.
Fonte: Auta de Souza. Poemas. Publicado postumamente em 1932.
Disponível em Domínio Público.
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