Desde a minha infância, ó Comandante dos Fiéis, fui condutor de camelos. E graças à minha perseverança, comprei oitenta camelos que alugava para negócios ou peregrinação, aumentando constantemente meu capital. Só tinha um sonho: tornar-me o homem mais rico de minha profissão em todo o Iraque. Um dia, voltando com meus animais de Basra após despachar mercadorias destinadas à Índia, parei perto de um poço para permitir a meus camelos refrescarem-se e pastarem. Enquanto estava lá, vi um dervixe aproximar-se de mim. Cumprimentamo-nos e convidei-o a partilhar comigo o pão e a água, conforme as tradições do deserto. E ficamos a conversar, e falei-lhe de meu sonho. Após ouvir-me sem me interromper, disse:
“Ó Baba-Abdala, trabalhas e labutas visando a um resultado modesto, quando o destino pode num piscar dos olhos tornar-te não somente mais rico que todos os condutores de camelos do Iraque, como o homem mais rico do planeta. Nunca ouviste falar dos tesouros escondidos embaixo do solo?”
Respondi que estava a par dessas coisas e sabia que certos dervixes possuíam segredos que podiam fazer do mais pobre o homem mais rico. O dervixe parou de mexer com a areia e disse:
“Ó Baba-Abdala, ao me encontrar hoje, encontraste o próprio destino.”
- Se for assim, estou pronto a aceitar-lhe as dádivas com um coração reconhecido.
- Então, levanta-te e segue-me.
Levantei-me e andei atrás dele através de vales e planícies até que chegamos ao sopé de uma montanha íngreme.
“Este é o lugar”, disse o dervixe, parando diante de um grande rochedo. Acendeu um pequeno fogo, jogou nele incenso, pronunciou palavras que não entendi. E logo, uma coluna de fumaça se elevou no ar e o rochedo abriu-se ao meio, dando passagem a uma caverna. Entramos e achamo-nos numa grande sala repleta de montões de moedas de ouro e de joias. Seguindo o conselho do dervixe, desprezei as moedas de ouro, que dariam uma carga muito pesada, e enchi os sacos com joias, mais leves e mais preciosas, lamentando apenas possuir oitenta camelos em vez de oito mil.
O dervixe apanhou um pequeno vaso de ouro que continha, ao que me disse, uma pomada para os olhos. Saímos da gruta, e outras palavras incompreensíveis fizeram a rocha fechar-se e retomar seu aspecto normal.
“Baba-Abdala,” disse o dervixe, “voltaremos agora ao lugar onde nos encontramos e lá partilharemos essas riquezas na amizade e na igualdade.”
Enquanto andávamos, a ganância fez seu trabalho em minha cabeça: “Com que direito esse dervixe ficará com a metade do tesouro que talvez estivesse escrito em meu nome, e só pudesse ser aberto na minha presença?” raciocinei comigo mesmo. “E com que direito ficaria com quarenta de meus camelos?”
Quando o momento da partilha chegou, disse ao dervixe: “Ó santo homem, que vais fazer com quarenta camelos e suas cargas, já que tua vida é consagrada a Alá? Não estarás cobrando um preço alto demais por me ter indicado o tesouro?”
O dervixe não se zangou, mas respondeu num tom ameno: “O que estou levando não é para mim, mas para distribuir aos indigentes e necessitados. Quanto ao que chamas de preço cobrado, esqueces que um centésimo do que te dei faria de ti o homem mais rico de Bagdá?”
Assim mesmo, aceitou ficar apenas com vinte camelos. Mas mal tínhamos iniciado nossos caminhos, eu para Bagdá e ele para Basra, a inveja e a ingratidão voltaram a apossar-se de mim. Corri atrás dele e convenci-o a ficar apenas com dez camelos. Assim mesmo, não me dei por satisfeito. Minha avidez crescia em vez de diminuir. Voltei a argumentar e solicitar e me humilhar e ameaçar, a fim de convencê-lo a ceder-me todos os camelos. No fim, ele desistiu de qualquer participação e disse-me:
“Meu irmão, faze bom uso das riquezas que Alá te concedeu e lembra-te, às vezes, do dervixe que encontraste no ponto em que teu destino mudou.”
Mas em vez de me regozijar por ter ficado com todo o tesouro, fui dominado mais uma vez pela avareza, e me convenci de que o pequeno vaso de ouro com a pomada também me pertencia, pois o dervixe poderia obter tantos vasos iguais quantos quisesse. Usei novamente minhas manhas e solicitações, e mais uma vez o dervixe cedeu. Quis também que ele me revelasse a utilidade da pomada e o modo de usá-la, pensando: “Se ele recusar, sou mais forte que ele, saberei como subjugá-lo e, se for necessário, matá-lo.”
Mas ele atendeu-me com um sorriso, dizendo: “Se passares esta pomada no teu olho esquerdo, verás todos os tesouros escondidos no mundo e o lugar onde estão escondidos. Mas se a passares no teu olho direito, ficarás cego dos dois olhos.”
Pedi-lhe aplicar a pomada no meu olho esquerdo para que eu aprendesse como usá-la. E ele, sempre calmo e agradável, atendeu. Depois, disse-me: “Agora, fecha o olho direito e abre o esquerdo.”
Todas as coisas habituais desapareceram e vi grutas subterrâneas e marinhas, troncos de árvores gigantes com buracos cheios de ouro e mil outros esconderijos transbordando de pedras preciosas, ouro, prata e tudo mais. Fiquei encantado, mas minha natureza perversa prevaleceu sobre mim mais uma vez. Pensei: “Será possível que a mesma pomada aplicada num ou noutro olho possa produzir efeitos opostos? Não será que o dervixe me está enganando? Não será que, aplicada no olho direito, a pomada me permitirá conquistar todos os tesouros que vi com o olho esquerdo?”
Pedi ao dervixe como último favor que aplicasse a pomada no meu olho direito. Ele teve um movimento de impaciência e disse-me: “Baba-Abdala, não sejas o inimigo de ti mesmo. Se insistires, arrepender-te-ás por toda a tua vida. Separemo-nos antes como amigos, e que cada um siga seu caminho.”
Mas na minha teimosia e desconfiança, ameacei-o. Ele tornou-se pálido e disse-me num tom duro que não lhe conhecia: “Ficarás cego pelas próprias mãos.”
E aplicou a pomada no meu olho direito. E, de fato, tornei-me imediatamente cego. Estendi as mãos, suplicando: “Salva-me, salva-me, meu irmão.” Mas não houve resposta. Ouvi-o juntar os oitenta camelos, conduzi-los e ir embora.
Caí no chão, e teria morrido lá de remorso e aflição, não fosse por uma caravana que, tendo pena de mim, trouxe-me até Bagdá. Desde então, eu, que tive nas mãos as riquezas da terra, vivo mendigando o pão de cada dia. Meu arrependimento por ter sido tão ávido, avaro, ingrato e estúpido e por ter estragado assim as dádivas de Alá penetrou profundamente no meu coração. E, para me castigar, jurei que, cada vez que recebo uma esmola, pedirei à mão caridosa dar-me uma bofetada.
-Ó Baba-Abdala, disse o califa, teu crime foi grande, mas a compaixão de Alá é maior para os que se arrependem. Não te atormentes mais. E para te evitar esta vida de mendicância, mandarei o vizir dar-te uma esmola de quatro dracmas por dia, até o fim de tua vida.
Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário