Escrevi no quadro negro da tristeza que a partir daquele instante eu seria outro: sorriria com os olhos se os lábios, emperrados na amargura, não ajudassem. Quando a testa franze e a boca se fecha, sorrir com olhos é uma saída. E, ao fazê-lo, estarei como a mulher — qualquer mulher — que é fraca e forte e que sorri enquanto sua "alma se estorce amargurada"? e segue altiva sobre saltos a se dizer bela, a se mostrar e a se sentir como tal; a força que lhe dá a performance brota onde nascem os sentimentos e se gadanha (agarra ferozmente) no espaço que a coragem constrói. Deve ela ser copiada, absorvida e usada, já que para lhe descobrir os sentimentos basta que olhemos em seus olhos. Se estiverem brilhantes como sol, estará feliz, se não, como não existe meia-felicidade, sorrirá com eles marejados em opacidade.
Pois escrevi dessa maneira com o giz da consciência fincando uma a uma as letras na lousa e vi, depois, que deixei ali na decisão uma confissão desenhada pela dor e sofrimento da qual nunca havia assumido. Não sabia que a coragem da confissão eleva o valor do testemunho e que as palavras grafadas, via de regra, seriam um alerta só meu, feito para meu eu de olhaduras de queijo embolorado, que servirão para quando nesse quadro voltar a pousar os olhos, comprovando que a decisão de não sofrer foi um dia tomada. E por que a tomei?
Pela tristeza, por causa dela que compõe rostos tristes, macera-os, carcome-os com carquilhas (rugas), riscam semblantes em acinzentado. Não, não mais lamentarei o passado que é irmão da tristeza.
Esse não mais me morderá por dentro, não deixará machucados ou cicatrizes, nem me arrancará tremores ou suores. Não deixarei que escarafunche o ontem ou que se alimente da própria comida. A partir dessa decisão, eu o deixarei no pó da longa estrada a quem chamo esquecimento, para que fique largado num canto qualquer do coração. Será uma rastejante vaga que não fere a areia; alisa-a para que a água da realidade passeie solta nos pensamentos a determinar o fim da tortura.
E uso aqui, nesse fim de decisão, um ponto final do recomeço a determinar o espantar do lamento, o alheamento de noites desdormidas que esgarçam quereres, impedem afazeres e infundem pesares...
Mas... sempre existirá um mas... conjunção ou restrição que vem contra o que se afirma. Tudo não passou de um conto de fadas - um sonho que trouxe a vontade da indiferença nas mãos formatadas em pétalas, mas que em gestos ondulantes se quebrou no crepúsculo da realidade.
Não se consegue espantar o lamento que o passado produz, nem transformar saudade em tênue lembrança: é como cinza que guarda a quentura, a ardência da brasa que o vento sopra desnudando o hoje, o que me leva a dizer que contra a tristeza, sim, se pode e se deve sorrir com os olhos, lábios e tez dando à feição a melhor aparência.
Mas é de se saber, porém, que seu efeito contra o ontem terá efemeridade de flor de mandacaru que se abre pomposa maravilhada à lua, mas que desfalece rapidamente perante a inclemência do sol da manhã.
Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022.
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