quinta-feira, 7 de março de 2024

A. A. de Assis (A moça do jipe)

Seu Nando vivia ali pacato e bom, baixinho, redondo, discreta calva, solteirão, atendendo a cidadezinha na venda de secos e molhados. Se deu que porém a moça passante brecou o jipe lhe passando um susto, não muito pelo de repente do impacto, mas pela explosão da imagem. Aquela coisa louca, aquele jeitão de rir. Seu Nando tremeu total. 

Queria a moça informação sobre a estrada que levava a uma praia próxima. 

– Se quiser vou junto. Posso mostrar o caminho. Preciso mesmo ir lá, volto de ônibus. 

– Sobe aí, tiozão! 

Zuuuuuuuuuuuuummmmmmmm... Tremeu de novo Seu Nando. Agora sim de medo. Moça maluca, 140 por hora naquele jipe trotão. De agradecimento, deu-lhe ela na chegada um beijo. Na boca. Seu Nando ensandeceu de vez. Retribuiu grudando a moça, que todavia gostou. Rolaram na areia, rolaram no mar, a noite chegou. Na aldeia, no dia seguinte, o bochicho. Sumiu Seu Nando. Uns, que o viram entrar no jipe, se espantaram mais ainda. 

Comunicaram às autoridades, botaram notícia na rádio, espalharam de boca em boca o misterioso evento. Ele tão bom homem, nunca perturbara ninguém, vendeiro prestativo. Chegaram a supor que a moça do jipe fosse extraterrestre. 

Quase um mês mais tarde, já davam Seu Nando por inencontrável: afogado, engolido por tubarão, levado pra outro planeta... Até que noutro de repente reapareceu ele, a barba crescida, a roupa em trapos, a cara de quem andara metido em muito complicada encrenca. 

– Depois eu conto o que aconteceu. Agora quero é tomar um banho, comer um bife enorme, dormir umas 24 horas. Avisem por aí que estou vivo. 

Geral curiosidade, só satisfeita no outro dia, com a presença de repórteres, fotógrafos, e os ouvidos atentos do lugarzinho inteiro. Seu Nando tinha ido com a tal garota litoral acima, até a Bahia. Contudo, acabado o dinheiro dele, ela evaporou-se. Nem chegara a saber o nome dela. 

– Voltei de carona num caminhão. Desci no trevo e de lá vim caminhando. 

Sorte dele que o gerente do banco entendeu a história, refez-lhe o crédito. E o bom homem se reinstalou atrás do balcão, de onde oito meses após ouviu outra freada. 

– Olhe aqui, tiozão! Trouxe pra você a sua obra. 

Ela desceu do jipe mostrando a enorme barriga. Voltara para ter o bebê onde ele começara a ser feito. Seu Nando acolheu-a, pouco se importava se o filho era seu ou não. Pagou as despesas do parto, do berço, das roupinhas. Ofereceu casamento. 

Porém cadê a moça?... Do jeito que rechegou, de novo magicamente sumiu. 

Criou-se a criança engatinhando ali na venda, assistida pela bondade de umas senhoras vizinhas. Ele um homem de tão generoso coração, baixinho, redondo, discreta calva, pela segunda vez abandonado no pique dos seus melhores sonhos. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 07.3.2024)

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