quarta-feira, 6 de março de 2024

Aparecido Raimundo de Souza (Entre a Solidão e a Esperança)

HAVIA UM MUNDO paralelo e adjacente, onde as estrelas no firmamento pareciam mais distantes e o vento impetuoso sussurrava histórias tristes pelas ruas e praças vazias. Nesse espaço medonho vivia um amontoado de crianças abandonadas, ou seja, se agrupavam pequenos seres que carregavam o peso da solidão nos ombros frágeis de uma vida totalmente em frangalhos.

Os pequenos miseráveis não tinham endereço fixo. Seus lares não iam além das calçadas frias, dos bancos das praças e dos becos escuros existentes aos redores da cidade. Elas não conheciam o aconchego de um abraço, nem o calor fraterno de uma refeição compartilhada em família. Seus pais, por razões as mais diversas, haviam partido deixando seus destinos entregues ao desamparo de um incerto negro e infame.

Algumas dessas crianças –, a maioria recém-nascida, vivia em caixas de papelão ou lixeiras. Outras mais velhas carregavam em seus olhos tristes a agonia do desespero e, dentro do peito, a febre incurável dos corações despedaçados. Elas vagavam pelas ruas e vielas invisíveis aos adultos apressados. Davam a impressão de fantasmas errantes em busca de uma parcela de afeto por menor que pudesse ser encontrada.

Uma dessas crianças era o Luiz Cláudio. Com apenas oito anos, conhecia a dureza da vida entrelaçada aos descasos do relento. Seus pés descalços pisavam o asfalto quente, outras vezes o aguaceiro dos temporais violentos e enérgicos, enquanto a sua curiosidade observava o vai e vem das pessoas. Luiz Cláudio sonhava com um lar, com uma cama macia, comida e uma mãe que o chamasse de filho.

O guri tinha um amigo, o José Bento, que também vivia como ele, ao Deus dará. Um pouco mais velho que Luiz Cláudio, o piá sabia contar histórias incríveis sobre um mundo fantástico além das estrelas vistas no longínquo céu. Ele dizia que, à noite, quando todos se recolhiam, essas estrelas se transformavam em fadas e dançavam no infinito. Ele acreditava piamente em Deus e orava à sua maneira infantil. A fantasia, como um todo se fazia a sua única companheira.

Entretanto, nem todas as histórias acabavam em mágicas alvissareiras. Havia noites em que o frio gelado cortava a pele e a fome na barriga vazia apertava. Luiz Cláudio, nesses momentos, se encolhia em um canto, abraçando os joelhos, enquanto José Bento encarava o céu em busca de respostas. Por que estava ali? Por qual motivo a sua mãe o largara aos reveses da sorte traiçoeira?

Um dia, algo extraordinário aconteceu. Uma mulher jovem, de cabelos vermelhos e rosto tranquilo se aproximou. Ela envolveu Luiz Claudio e José Bento em abraços apertados dizendo: “Vocês não estão mais sozinhos, meus pequenos. Vou cuidar de vocês.” Essa criatura inesperada, se soube depois, mantinha um abrigo. Um lugar onde crianças como Luiz Cláudio e seu amigo José Bento encontraram refúgio e esperança.

Luiz Cláudio não sabia o que significava um lar, um canto de acolhimento. Tampouco José Bento. Todavia, ambos sentiram de imediato, o calor daquelas palavras. Eles olharam para o céu e se depararam com uma estrela cadente. Fecharam os medos, recolheram os assombros e fizeram um pedido: “que todas as crianças abandonadas encontrassem um lar, um abraço, um aconchego, uma família.”

Assim, entre a solidão abrutalhada e inepta, a perspectiva em sua melhor forma de expressão. Luiz Cláudio e José Bento descobriram que o mundo podia ser mais gentil do que eles imaginavam. Aprenderam que mesmo nas noites mais escuras e longas uma luz ardente e fogosa extasiada e embevecida brilhava guiando as suas melancolias para onde seriam amados e protegidos.

A mensagem que esse texto quer deixar para todos os leitores é que as crianças abandonadas abaixo da linha da pobreza, ao relento das malhas do azar, ou ao acaso das intempéries, encontrem seus caminhos de volta ao brilho da felicidade. Ao menos se deparem com um trilhar robusto, onde a solidão se transforme em luz e a esperança de dias melhores jamais se apague.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

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