quarta-feira, 6 de março de 2024

Contos e Lendas da África (“A morte começa com uma só pessoa”)

PERSONAGENS
Kâ (caramujo gigante)
Ngâmbi (iguana)
Kudu (jabuti)
Lonâni (pássaros)
Kema (macacos)
Um homem

PREFÁCIO

Todos esses animais, inclusive os inocentes, foram prejudicados pelo barulho causado por poucos deles.
Alguns nativos da África Ocidental acreditavam que iguanas não tinham audição.
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O caramujo Kâ, a iguana Ngâmbi e o jabuti Kudu viviam juntos em uma aldeia. Certo dia, o jabuti foi caminhar pela floresta e lá encontrou uma grande árvore chamada Evenga.

“Vou ficar sentado debaixo dessa árvore e esperar que alguns frutos caiam”, pensou.

E lá ficou, sozinho, por dois dias.

No terceiro dia, a iguana disse ao caramujo:

— Vou sair à procura de nosso amigo Kudu.

Encontrou-o em um buraco ao lado do tronco da Evenga.

— Meu amigo, você sumiu há dois dias! — disse Kâ.

— Ficarei aqui. Não voltarei à aldeia — respondeu Kudu.

— Bem, pois então vamos ficar juntos no mesmo lugar.

O jabuti se recusou a dividir o espaço; a iguana então escalou uma parte do tronco e lá ficou, poucos centímetros acima de seu amigo.

Dois dias mais tarde, o caramujo, sentindo-se solitário, decidiu:

— Vou atrás de meus amigos.

Ao encontrar Kudu e Ngâmbi no tronco, exclamou:

— Mas que bela árvore para se sentar!

— Sim, fique aqui conosco — convidaram os outros.

— Ficarei ao seu lado, minha amiga Ngâmbi — sugeriu Kâ.

Mas Ngâmbi não queria ninguém perto dela. O caramujo então subiu em um ramo que pendia da copa da árvore até o chão, e assim os três amigos se acomodaram; o jabuti em um buraco no chão, a iguana agarrada ao tronco, um pouco acima, e o caramujo grudado a um ramo já quase na copa.

Ngâmbi, que era parcialmente surda, permaneceu no mesmo lugar, agarrada às fendas da casca da árvore.

Dali dois dias brotaram frutos em grande quantidade, que logo amadureceram. Pequenos passarinhos foram atraídos por eles e disputavam espaço nos galhos com pequenos macacos. Em seguida vieram pássaros e macacos maiores, todos ocupando a copa da árvore e devorando os frutos.

Comiam e brincavam fazendo grande algazarra.

Kudu, temendo que todo aquele barulho pudesse atrair algum predador, chamou a iguana:

— Ngâmbi! Peça para o Kâ falar para esse pessoal aí nos galhos comer em silêncio!

Kudu apenas sussurrou o pedido para sua amiga, pois se gritasse diretamente para o caramujo, faria ainda mais barulho. Reforçou a importância de sua mensagem citando um provérbio: Iwedo a yalakĕndi na moto umbaka (a morte começa com uma pessoa). Ou seja, deviam ficar atentos, pois a imprudência de alguns colocaria a todos em perigo. 

No entanto, Ngâmbi não ouviu e nada respondeu.

— Ngâmbi! — o jabuti chamou novamente. — Fale com Kâ! Peça para comerem sem fazer tanto barulho!

Mais uma vez, não houve resposta. Kudu tentou duas outras vezes, sem sucesso.

— Não vou dizer mais nada — resignou-se.

Um homem da cidade de Njambo caçava na floresta, armado com arco e flecha, um facão e uma arma de fogo. Encontrou a árvore Evenga enquanto caminhava. Atraído pelo barulho, olhou para cima e viu os macacos e pássaros nos galhos.

— Quantos animais em uma só árvore! Nunca vi isso! — exclamou para si mesmo.

Atirou uma flecha e com ela derrubou três macacos. Disparou sua arma e matou sete pássaros. Todos os outros fugiram de medo. O homem então olhou para baixo e viu o jabuti dentro do buraco. Arrancou-o dali e colocou-o em sua bolsa. Ergueu um pouco a cabeça e viu Ngâmbi ao alcance de sua mão.

— Ah! Uma iguana aqui também! — comemorou ele.

E matou-a com seu facão.

Observou os galhos e puxou um dos ramos, derrubando Kâ.

— E mais essa! Um caramujo! — exclamou.

O caçador então tomou seu caminho de volta, levando todas as suas presas. 

Dentro da bolsa, Kudu lamentava seu destino e dizia para seus amigos mortos:

— Eu avisei. Pedi para alertarem aos outros sobre o perigo de tanto barulho. Se vocês, macacos e pássaros, não tivessem feito tanto alarde na copa da árvore, o homem não teria nos encontrado. Tudo começou com vocês.

O homem chegou à sua cidade com suas presas e as dividiu entre seu povo.

Fonte: texto por Robert Hamill Nassau, in Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 2. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC. Distribuição gratuita.

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