sábado, 23 de março de 2024

Caldeirão Poético LXXXII


(Sonetistas da Academia Brasileira de Sonetistas)

Aila Brito
Cocal/PI

ALÉM DOS VERSOS

Nos campos, nos trigais, no grão maduro...
Em cada plantação se faz zelosa;
Na tez de cada flor, no olor da rosa,
O seu encanto brilha, com depuro.

Nos corações afins, no enlace puro,
No dia, tarde ou noite preciosa,
No gesto amigo e em cada ação bondosa,
A sua essência vibra com apuro!

Além do verso, o dom sensorial
Passeia em outras artes... afinal,
Em tudo, a sua voz nos contagia.

Mas se derrama, quando à luz da lua,
Em seu delírio, encanta e fica nua,
Expondo-se total a poesia!
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Edir Pina de Barros
Brasília/DF

ADEUS 

O instante de um adeus jamais se finda
no derradeiro olhar, crispado o rosto,
nas mãos vazias, cheias de desgosto,
na boca os beijos cálidos ainda.

A angústia de um adeus, jamais bem-vinda,
produz ferida na alma, por suposto,
e deixa tal penar ao mundo exposto,
que um breve e distraído olhar deslinda.

Adeus, gume cortante de uma adaga
que, de repente, o sonho estripa e traga
no cálice do efêmero existir.

Depois? Nos resta o tempo da saudade
que chega sem licença e nos invade,
a misturar passado com porvir.
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Edy Soares
Vila Velha/ES

EPITÁFIO

Há neste frio intenso um quê de nostalgia,
uma tristeza oculta, um ar mais carregado;
parece até que o céu também está mudado,
a solidão é fria... E a noite está mais fria!

Olhando da janela, o lago congelado
é feito a vastidão dessa melancolia...
Não volto mais aqui, pois sem a companhia
do meu amor, o inverno é muito mais gelado...

Meus dias por aqui não são mais relevantes,
também estou partindo e deixo aos visitantes
uma plaquinha, escrita, amarrada na porta:

Aqui vivi feliz, mas hoje, entristecido,
sem meu amor de inverno eu fico tão perdido...
Vende-se o bangalô... O preço pouco importa!
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Geisa Alves
Resende/RJ

ARDÊNCIA

Arde-me o amor nas cores do crepúsculo,
nas asas de um ensejo fugitivo.
Arde-me o amor no verso em que eu derivo,
com ânsias de um prazer vital, maiúsculo.

Sinto-o queimar na carne, pele, músculo
e ainda na alma (um fogo redivivo);
em suas chamas folgo e não me esquivo...
No mais é tudo efêmero e minúsculo!

Arde-me o amor nos sonhos de mulher,
nas mãos a desfolhar um malmequer,
nos olhos a sondar a luz do ocaso.

Se é de silêncio e bruma o fim da tarde,
ainda assim, o amor nas veias arde,
e não se extingue a febre em que me abraso.
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José Erato Ferraz
Juiz de Fora/MG

INDÔMITO

Minhas asas sedentas de horizontes
buscam um novo ponto cardeal,
os pés infatigáveis cruzam pontes,
como a ave que não quer um só quintal.

Minha sede esquadrinha novas fontes,
não lhe basta o vulgar manancial.
Há terras a explorar além dos montes...
a mente não se amolda ao trivial.

A carne está sujeita às leis da vida,
mas a alma irrefreável, desprendida,
rejeita amarras, cercas e porteiras.

Meus versos cruzam céus a cada dia,
que sou poeta e minha poesia
não admite a existência de fronteiras.
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José Walter Pires
Ituaçu/BA

SER LUME

E como ficou chato/
Ser moderno / Agora serei eterno.
(“Do poema eterno” de Carlos Drummond de Andrade, 1953)

Não temerei de ser o meu soneto antigo,
Na forma ou no teor, e não sendo moderno,
Mas não vejo existir um mal querê-lo eterno,
como diz o poeta, em glosa que me abrigo.

E, se acaso tiver de enfrentar o perigo,
Indo na marcha à ré pelo que agora externo,
Irei continuar com o meu verso terno
Sem jamais aceitar esse injusto castigo.

Não pretendo negar o empenho dos puristas,
Que buscam defender, por certo, o seu primor,
Consagrado no dom dos vates sonetistas.

Portanto, sem fugir do cânone dessa arte,
Manterei, por dever, seu excelso valor
E do lume saber que já me sinto parte!
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Kleber Lago
São Paulo/SP

A POESIA

Em quase tudo, a sinto e posso vê-la,
mas não consigo definir poesia;
e afirmo que mais fácil me seria
contar, no céu, estrela por estrela.

Bastar-me-ia apenas percebê-la
para satisfazer minha estesia
e me tornar agradecido pela
sensação com que ela me premia.

Vejo a poesia como uma expansão
do belo, em seus matizes mais diversos,
e do que Deus me fez “palavrador”.

Não sei, de fato, é defini-la. Então,
tento exprimi-la como a vejo, em versos
que, em prol de amor e paz, vivo a compor.
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Luciana Nobre
Manaus/AM

SEREI EU UM POETA!?

Serei eu um poeta?! Mas que nada!
Por ora nada fiz por merecer...
poeta é quem, chegado o alvorecer,
orvalha corpo e alma de alvorada...

Serei eu um poeta pela estrada?
Motivos não me dou. Não chego a ser!
Poeta é quem, chegado o anoitecer,
transforma a si em noite enluarada...

Eu nada sou além de alguém que, em verso,
declama sua dor, paixão, agrura...
do belo passo longe, rumo inverso...

Poeta de verdade é uma ventura
de quem, na poesia estando imerso,
transmuta noite em dia... em paz, tristura.
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Luiz Antonio Cardoso
Taubaté/SP

EQUILÍBRIO

Meu carnaval era cinzento, vago...
escolas, blocos, festas... tudo em vão!
Nunca adentrei numa avenida e trago
dentro do peito o verdadeiro chão!

Fiz-me um intrépido censor do estrago,
do que eu chamava de loucura e não
da maior festa popular e afago
ao sofrimento de quem chamo irmão!

Mas nada como o tempo, sábio mestre,
a nos mostrar que a vida, tão terrestre,
é a busca infinda do melhor critério...

e se resume no equilíbrio exato,
saber dosar e por no mesmo prato,
matéria e espírito num só mistério!
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Paulo Cézar Tórtora
Rio de Janeiro/RJ

PERGUNTANDO À LUA

Eu vivo perguntando à augusta lua
que enfeita minha noite insone e fria:
—Por que fez prisioneira da Poesia
minha alma, que no céu também flutua?...

E a luz refulge, e brilha, e se acentua
e eu penso na resposta que viria
calando as incertezas, todavia,
a dúvida insistente continua.

A lua, majestosa no seu lume,
oculta-se da nuvem no negrume,
na bruma melancólica que a assalta.

E a musa, então, recolhe-se, sentida,
sem ter a sua súplica atendida
(tem mais presença em mim o que me falta).
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Paulo Maurício Silva
Teresópolis/RJ

UM DIA...

Um dia, eu sei, no Livro concluído,
Serei aquela página virada…
A lembrança, por poucos, bem guardada,
O terno num bazar, desconhecido,

A foto de matiz envelhecido,
Olhando vagamente para o nada…
Um dia eu sei… serei a voz calada,
O verso para sempre interrompido.

Ao fim do desgastado itinerário,
Um rastro de pegadas, solitário,
Que o vento melancólico desfez,

Vestígio que, por fim, desaparece…
Mas se eu pudesse, ao menos, se eu pudesse,
É tudo o que eu seria noutra vez!
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Troya D’Souza
Santa Cruz/RN

ODE À CHUVA 

Quando a chuva se ausenta do sertão,
Morre o gado de fome sem comida.
Falta sombra com água na bebida.
A barragem secou o seu porão.

Migram aves buscando solução,
Que o braseiro do sol assola a vida.
A lavoura pouquinha e ressequida
Serve apenas de adubo para o chão.

Mas bombando o trovão na madrugada
É o prenúncio da chuva programada
Que escutei o carão anunciando.

Chuva traz abundância em quantidade,
Vai embora a tristeza e que saudade
Da ramagem no chão se esparramando.

Fonte: Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO) 
https://www.facebook.com/groups/803079378212373/

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