O candeeiro era antigo, bem antigo, vindo de terras potiguares, da casa-grande do engenho Guaporé, no Ceará-Mirim, onde vivera meu pai e sua família, lugar da aristocracia rural, com salas especiais para a música e a leitura ou para as refeições do dia-a-dia. Quando faltava luz, fenômeno mais que frequente naqueles meus tempos da infância e da adolescência, um de nós, designado como voluntário, ia buscar na cozinha a caixa de fósforos e cumpria a missão de acender a velha peça, com todo o cuidado possível, para não quebrar a base de porcelana boa ou a manga de vidro barato. A reserva de velas, porém, era fundamental para se garantir a luminosidade noutros cômodos, para quem fosse se trocar, por exemplo ou para aqueles interessados num lanche ou na ceia, como chamava a minha avó paterna. E o velho candeeiro vai reaparecer, agora, nas cenas do dia-a-dia!
A iluminação das ruas era bem diferente, as lâmpadas acesas às dezoito horas pendiam dos postes de ferro e eram incandescentes. Todas as tardes, na boquinha da noite, passava o encarregado de ligar a chave e ai toda a extensão urbana visível ficava alumiada. Pela manhã logo cedo, o homem fazia o caminho inverso, isto é, desligava tudo naqueles limites da Boa Vista com o bairro de Santo Amaro das Salinas. Quase ninguém tinha eletrodomésticos em casa, o liquidificador demorou a chegar e era peculiar, tinha o copo de alumínio. Assim a vitamina de banana, rodada no leite em pó misturado à água, não podia ser vista, senão quando estivesse pronta para o benfazejo uso. Geladeira nos meus começos era a do vizinho, para guardar penicilina, sobretudo, antes da picada no glúteo.
Certa vez, minha mãe trouxe do comércio um equipamento moderno, com o nome de turmix, não sei por que essa estranha denominação. Servia para fazer sucos diversos, do mais simples, o de laranja, aos mais complexos, aqueles com tomate e cenoura. Uma delícia esses extratos misturados de frutas e de verduras! E os aparelhos domésticos foram se acrescentando. Um belo dia o meu pai chegou de seus afazeres e comunicou que tinha comprado uma radiola, um aparelho que juntava o rádio e a vitrola. Uma beleza! Além disso, uma coleção de discos, a maior parte em trinta e três rotações – conhecidos como long-play –, mas alguns de quarenta e cinco e até as bolachas enormes que rodavam o conteúdo inteirinho de um só lado. Muitos da música clássica, uns de histórias infantis, como a do macaco sabido e outros cantados por Maysa Matarazzo, dos agrados de minha mãe. E ninguém reclamava da conta! E não se conhecia, também, a palavra racionamento!
A televisão quando apareceu por cá foi uma festa. Eu assistia na casa da professora Dulce Chacon, psicóloga, não exatamente formada, mas suficientemente capaz de diagnosticar com testes os problemas infantis e as questões da juventude, sem esquecer as recomendações do estilo. Comigo mandou que aumentassem a minha mesada e eu ignoro a providência. À custa de muito sacrifício, finalmente, o novo equipamento aportou na sala de visitas e ao mesmo tempo de jantar. Era da marca Cibeal e tinha sido vendida por um quase parente, representante do produto. Preta e branca, como todas as outras, foi posta sobre o móvel da velha radiola e assim formava um conjunto audiovisual. Ali, sentado no sofá, vi os melhores programas da época, a jovem guarda aflorando e Roberto Carlos cantando e mandando todo mundo para o inferno.
O ar-condicionado restringia-se a uma elite diferenciada, como o chuveiro elétrico, inicialmente blindado e da marca Lorenzetti. Foram dispensados o ventilador e a banheira, o vento encanado dos temores de Dona Lila e a chaleira fervente do banho. Anos e anos se passaram para o colorido do mundo aparecer na telinha e mais anos ainda para se usar o controle remoto. Dizem que uma rede poderosa impediu que se mudasse de canal facilmente. Mas, apenas dizem! À distância, então, era possível trocar de estação ou alterar o volume. O videocassete surgiu nas vitrines mais de uma década depois e foi um sucesso, também. Afinal, seria possível assistir os filmes em casa, bem acomodado e sereno, mas o preço não convidava, como todos os outros aparelhos de uso doméstico nos começos. E da conta não se falava!
Hoje, o contador é um ansioso relógio das horas de luz e dos minutos de força. Racionar é preciso, com multa ou sem multa. Não há mais água para as turbinas! Valha-me Deus!
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∗ Texto escrito durante um tempo de racionamento elétrico no Recife, por conta da falta de chuvas nas cabeceiras do rio São Francisco, de cujas cachoeiras a energia provém.
Fonte> Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE.
Disponível no Portal de Domínio Público
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