Sabe como a gente se sente naqueles dias nostálgicos, com lembranças da mocidade e de querer saber como e por onde andam os tantos amigos que passaram por nossa vida? Pois assim vinha o Belarmino de algumas semanas, Encucado com a ideia, andou por escolas buscando as listas dos alunos, investigou nomes de colegas de rua e depois de uma relação detalhada, procurou descobrir como se saíram. Alguns não viraram nada e não foi nenhuma surpresa. Uns faleceram de morte natural, outros de acidente ou assalto e teve uma colega que morreu no parto. Todos receberam uma missa com encomenda da alma. Tardia, mas com muita fé.
Mário e Julieta se casaram. Tinham um grande amor um pelo outro e não podia ser diferente.
Matilde, depois de casada, fugiu com um taxista. Também normal, pois a bichinha já era sapeca e danadinha desde pequena.
Arnaldinho, depois de formado, entrou nos negócios do pai com ideias novas e uma administração arrojada, levando a loja do velho à falência. Era de se prever, pois ele sempre fazia besteiras.
Messias virou um grande médico. Tinha jeito desde menino.
Agora, com o que não se conformava mesmo o Belarmino era com o sucesso do Francis. O Francis era aquele que sempre sentava no fim da sala e quase sempre a bagunça se iniciava com ele. Difícil o dia em que não ficava de castigo ou não ia para a diretoria. O pai sempre era chamado na secretaria.
Foi ameaçado de expulsão diversas vezes. Nunca foi visto estudando. Passava raspando e, muitas vezes, com ajuda.
Quando lhe falaram que o Francis comandava a equipe em que estavam alguns dos colegas que eram bons mesmo, ele não quis acreditar. Estranhou que o Francis que só passava na cola, nunca foi de estudar e era previsível que nunca seria nada, estava com tudo. Achou estranho também que ele, o Belarmino que era da turma que passava cola e sempre empurrou o cara de um ano para o outro não fosse convidado para fazer parte na tal equipe.
Questionou um e outro sobre aquele absurdo.
Gildásio, mais ousado, lhe fez algumas indagações. Perguntado sobre onde sentava o Francis no dia de prova.
Belarmino disse que o cara era esquisitão. Cada dia sentava em um lugar. Se sabia o porquê, respondeu que ignorava. Foi quando Gildásio lhe apontou o que ele nunca percebera: "Na prova de português, sentava na carteira atrás do Farias, na de matemática, ao lado da Beatriz, na de geografia, no fundo perto do Giba, que também era bagunceiro, mas era encanado na matéria, na de ciências ao lado do Messias, na de química, do teu lado, Belarmino. Como vês, o homem não era fraco não. Enquanto a gente se ralava, ele ficava na dele explorando o talento de cada um.
Tu sabias quem era melhor em qual matéria? Pois é, Belarmino, o sujeito tem um grande senso de observação e administração de talentos que permanece até hoje.
Belarmino inconformado por estar fora da turma, tentou tirar uma satisfação. Não conseguiu, engoliu a raiva e ficou por isso mesmo.
Gildásio, perverso como ele só, opinava: "Talvez você tenha ficado de fora por causa dessa mania doida que tu tens (que certamente o Francis já percebera há muito tempo), de ficar com uma coisa na cabeça e não pensar em outra.”
Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.
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