terça-feira, 19 de março de 2024

Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa – 12 –


ANTÔNIO THOMAZ BOTTO 
1902 - 1959

Nasceu em Portugal e morreu, atropelado, no Rio de Janeiro, tendo sido, o seu corpo, transportado para Lisboa. Foi amigo íntimo de Fernando Pessoa. Considerado um dos iniciadores da poesia moderna em seu pais.

Homem que vens de humanas desventuras,
que te prendes à vida e te enamoras,
que tudo sabes e que tudo ignoras,
vencido herói de todas as loucuras;

que te debruças, pálido, nas horas
das tuas infinitas amarguras
e na ambição das coisas mais impuras,
e és grande simplesmente quando choras;

que prometes cumprir e que te esqueces,
que te dás às virtudes e ao pecado,
que te exaltas e cantas e aborreces.

arquiteto do sonho e da ilusão,
ridículo fantoche articulado,
- eu sou teu camarada e teu irmão!
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BRANCA DE GONTA COLAÇO 
1880-1945

Poetisa, prosadora, declamadora e conferencista. 'Figura das mais brilhantes na arte literária de Portugal.

NAQUELA TARDE

Naquela tarde em que nos encontramos
"para o último adeus" - nas garras frias
do "desgosto sem fim" que sempre achamos
qualquer separação de poucos dias...

Tarde de amor em que nos apartamos.
presas das mais acerbas nostalgias,
- talvez porque os protestos que trocamos
valessem mil celestes alegrias -,

houve um momento - foi um sonho de Arte!
em que um raio de sol veio beijar-te,
com tanto ardor, em rutilâncias tais,

(que eu fiquei muda, a olhar, num gozo infindo,
o beijo que te dava o sol tão lindo...
Mas o teu rosto alumiava mais . . .
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FERNANDO CALDEIRA 
1842-1894

Poeta inspirado, pintor e autor de teatro muito aplaudido em seu país.

'A VIDA

Abri meus olhos ao raiar da aurora
e parti. Veio o sol e, então, segui-a,
a sombra, que eu julgava guiadora,
a minha própria sombra fugidia.

E foi subindo o sol; ao meio-dia
escondeu-se-me aos pés a sombra;
agora se volvo o olhar onde passei outrora,
vejo-a a seguir-me, a sombra que eu seguia.

A gente é o sol de um dia; sobe, avança,
passa o zênite, e vai na imensidade
apagar-se no mar, onde se lança...

E a vida é a própria sombra; meia-idade,
somos nós que a seguimos, e é a Esperança;
depois segue-nos ela: é a Saudade.
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FERNÃO RODRIGUES LOBO SOROPITA 
(1562 - ?)

Fernão Rodrigues Lobo Soropita - Amigo e admirador de Camões, advogado e humanista. Preparou e dirigiu a primeira edição das "Rimas de Luiz de Camões", aparecida em 1595, precedida de um elogioso prefácio. Teria findado seus dias no convento d'Arrabida. 

Em 1606 ainda vivia, uma vez que, nesse ano, parodiou "A Primavera", de Francisco Rodrigues Lobo, de quem era parente.

Claros olhos azuis, olhos formosos,
que o lume destes meus escurecestes,
olhos que o mesmo Amor d'amor vencestes,
com vivos raios sempre vitoriosos;

olhos serenos, olhos venturosos,
que ser luz de tal gesto merecestes,
ditosos em render quantos rendestes,
e em nunca ser rendidos mais ditosos.

Que morra eu por vos ver, e que vos traga
nas meninas dos meus perpetuamente
cousa é que justamente Amor ordena.

Mas que de vós não tenha mais que a pena,
com que Amor tanta fé tão mal me paga,
nem o diz a razão, nem o consente.
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JOSÉ DA SILVA MENDES LIAL 
1823-1886

Poeta, autor dramático, acadêmico e político. Foi, sobretudo, notável na poesia herOica.

Seu teatro chegou a competir com o de Garret, nas preferências do público e da crítica. Foi ministro plenipotenciário de Portugal, em Madri e em Paris. Conselheiro, Par do Reino, Presidente da Câmara dos Deputados, Sócio e Secretário da Academia Real de Ciências. Escreveu vários romances e muitas peças teatrais. Algumas de suas poesias, como "Napoleão no Kremlin", "O Pavilhão Negro" e "Ave César!" tornaram-se conhecidíssimas, pois são, realmente, obras admiráveis.

"STABAT MATER"

Mulher que tanto amais, mulher que sofreis tanto,
ardente coração, espírito piedoso,
a quem chorais, a quem? O pai, o irmão, o esposo?
Uma ilusão perdida? Um súbito quebranto?

Dos mundanos desdéns, que vos tomam de espanto,
desejais recatar a dor que já foi gozo?
Ou desejais sumir, em delirar saudoso,
nas rosas do pudor as pérolas do pranto?

Mulher, seja qual for o vosso mal profundo,
secreto desengano ou sonho temerário,
não julgueis morta a flor, o porvir infecundo.

O rosto erguei com fé na paz do santuário:
Conforto, exemplo, guia e estrela, e aurora ao mundo,
achais a Virgem-Mãe no cimo do Calvário!
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MARQUESA DE ALORNA 
1750-1839

D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lancastre - Famosa poetisa e escritora, considerada a "Madame de Stael portuguesa". Seus "salões" ficaram célebres em Portugal, pois eram freqUentados pela nata dos literatos da época, entre os quais Alexandre Herculano, que muito a admirava.

Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.

Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os respeitam da mesma natureza.

Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, fonte, montanha, flor, corrente,
comigo hão de chorar de amor enredos.

Mas, ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.
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NARCISO DE LACERDA 
1858-1913

Veio muito cedo para o Brasil, onde se alistou no Exército Brasileiro; mas, aos 17 anos voltou para Portugal, quando passou a ocupar cargos do serviço público. Recebeu, como poeta, os elogios de Camilo, João de Deus e Silva Pinto. Foi excelente sonetista.

Se creio em ti, meu Deus! Pois quem há posto
lumes no céu e rosas na campina,
na pedra o musgo, a relva na colina
e a fé nas almas cheias de desgosto?

Se creio em ti! Pois quem há dado ao rosto
da mulher dois faróis de luz divina
e à rocha a gota de água cristalina
e a sombra aos dias cálidos de Agosto?

Se creio em ti, meu Deus!... Quando eu, outrora,
quis meus olhos cerrar à luz da aurora,
por que não visse pelo ar disperso

tanto sonho de amor, que em vão sonhara,
lembrei-me, então, de quanto me ensinara
a voz de minha mãe, junto ao meu berço...
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NOEL DE ARRIAGA 
1918 - 1993

Nasceu na Praia da Aguda, perto do Porto (Portugal), tendo-se formado na Faculdade de Direito de Lisboa. Tem-se dedicado à literatura infantil; e é especialista em problemas de turismo. Publicou, entre outros, os seguintes livros de poesia: "Barco sem leme", "A noite é cúmplice", "Pecados breves, breves recados", "A canção que o vento me trouxe".

DESLUMBRAMENTO

Quando num labirinto andei perdido,
labirinto de sonhos e esperanças,
uma voz segredava-me ao ouvido:
- "O amor é belo enquanto o não alcanças,

Não tenhas pressa que depressa
cansas do que mais hás de ter apetecido".
Receoso de colher desesperanças,
não tocava no fruto proibido.

Porém quando a distância se faz perto,
tornando certo quanto fora incerto,
e a cingir-te em meus braços me disponho,

quando da realidade me avizinho
e do sonho me afasto eu adivinho
que a realidade excede o próprio sonho!
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NUNES CLARO 
1878-1948

Poeta admirável, de um lirismo cantante e precioso.

Partiste, e a serra idílica do vento,
do mar, das névoas, mais das grandes luas,
manda dizer-te, amor, neste momento,
que. ficou triste, com saudades tuas.

E que, no inverno, enquanto o céu cinzento
tremer nos ramos e chorar nas ruas,
vestirá, com teu lindo pensamento,
as pedras pobres e as roseiras nuas.

E diz mais - que em abril, quando aí saias,
penses, ao ver florir perto as olaias,
naqueles que deixaste sem ninguém.

no sol, nas ervas, no luar, na altura.
- Só não te diz, porque é de pedra dura,
que tu penses, um pouco, em mim também!
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PEDRO ANTÔNIO CORREIA GARÇÃO 
1724-1772

Junto com Reis Quita, foi um dos fundadores da "Arcádia Ulissiponense". Foi perseguido pelo Marquês de Pombal, que mandou prendê-lo. Ficou oito meses incomunicável, não se sabendo, ainda hoje, a causa determinante desse fato.

Por incrível coincidência, morreu exatamente no instante em que sua esposa chegava à prisão com uma ordem de soltura para o poeta.

Escreveu odes, comédias, epístolas, sonetos. A "Cantata de Dido", segundo Garret, "é uma das mais sublimes concepções do engenho humano, uma das mais perfeitas obras executadas pela mão do homem".

De Correia Garção, um soneto que dedicou "A uma senhora a quem o autor chamava sua mãe":

Comigo minha mãe brincando, um dia,
a namorar c'os olhos me ensinava;
mas Amor, que em seus olhos, me esperava,
com mil brilhantes farpas me feria.

De quando em quando mais formosa ria,
porque incapaz do ensino me julgava;
porém tanto a lição me aproveitava,
que suspirar por ela já sabia.

Em poucas horas aprendi a amá-la:
ditoso se tal arte não soubera,
não me custara a vida não lográ-la.

Certo, que aprender menos melhor era;
pois não soubera agora desejá-la,
nem de tão louco amor enlouquecera!
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RAIMUNDO ANTÔNIO BULHÃO PATO 
1829-1912

Amigo íntimo de Almeida Garret e Alexandre Herculano. Segundo Nuno Catharino Cardoso, "com a morte de Bulhão Pato, desapareceu, em Portugal, o último representante do romantismo".

CONFISSÃO

Fui na infância católico exaltado;
tudo era para mim edificante;
ver o altar, ver o trono cintilante,
ouvir, na igreja, a voz do órgão sagrado!

Foi se apagando o amor arrebatado,
e a ciência levou-me, num instante,
com o sopro glacial e penetrante,
o edifício de luz do meu passado!

Deitei-me aos pés dos grandes missionários,
na eloquência e na fé extraordinários;
mas nenhum me deu sombras de esperança!

O crenças infantis, talvez agora,
volteis a mim, ardentes como outrora:
diz-se que um velho torna a ser criança!...
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TEIXEIRA DE PASCOAIS
1878- 1952

Teixeira de Pascoais (pseudônimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos) Poeta lírico e prosador de rara inspiração. Na forma, é um romântico que não conseguiu deixar de ser um clássico. A natureza tem papel importante em sua obra. E a poesia possui exuberância verbal. 

À UMA OVELHA

Entre as meigas ovelhas pobrezinhas,
que eu guardo, pelos montes, uma existe
que anda, longe, balindo, sempre triste,
e vive só das ervas mais sequinhas.

Que pressentes na alma? que adivinhas?
Etérea voz de dor acaso ouviste?
Que foi que tu, nas nuvens, descobriste?
Não és irmã das outras ovelhinhas!

Sobes às altas fragas escarpadas,
e contemplas o sol que desfalece
e as primeiras estrelas acordadas..

E assim paras, a olhar o céu profundo,
faminta dessa relva, que enverdece
os outeiros e os vales do Outro Mundo.
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VIRGÍNIA VITORINO
1898 - 1967

Uma das mais populares poetisas de Portugal. Sonetista notável. Alma vibrante e plena de sentimento. Escritora de teatro, professora.

Não venhas ver-me, não! De que servia?
Nem eu tenho coragem para tanto.
Gostava muito, sim, mas todo o encanto
da tua grande ausência acabaria.

É tornar-te a perder. Num certo dia,
tu partes novamente, e todo o pranto,
ou pouco ou muito - não importa quanto -
nunca o compensa uma hora de alegria.

Mas se eu não posso ter outro desejo!
Se eu, não te vendo a ti, nada mais vejo!
Como é que, sendo assim, não te hei de ver?

Responde-te a minha alma comovida:
- Vale mais ter um mal por toda a vida
do que alcançar um bem para o perder.
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