sábado, 30 de março de 2024

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) – Capitulo 28: Isadora de Pampa e Bahia

A chuva foi embora. O sol voltou a brilhar, e Isadora buscava a aquecer-se sentada no meio da estrada. Seu estado chamou a atenção de um viajante moreno e grisalho. 

- Está precisando de ajuda, moça? – disse ele com um sotaque diferente.

- Sim. Mas não sei bem nem o que dizer ou o que pedir. Quem és tu? 

- Me chamo João, venho de Salvador, Bahia. Sou caminhoneiro. Vim fazer uma exportação.

- Como é lá? 

- Salvador? Ôxe! É um lugar lindo.

Isadora observou o céu, o horizonte, se observou maltrapilha, sem seu amor, sem sua mãe... Olha bem para o rapaz na tentativa de perceber se ele era gente ruim. E num impulso, disse: “– Preciso ir para bem longe. Se puder me levar para tua cidade.” 

- Ôxente, menina, é sozinha no mundo?

Isadora silencia...

- Está bem. Parto de volta daqui duas horas. Se quiser eu te levo. 

- Quero, sim. Mas saiba que sou uma mulher de respeito. 

- Não se preocupe, não vou te molestar, não. Deve tá com fome. Na volta te trago um lanche. 

Depois de muitas horas de viagem, Isadora quebra o silêncio. E conta sua trágica história ao novo amigo. 

O caminhoneiro a escuta com atenção. Isadora adormece. E ele, com delicadeza e respeito, protege a moça do frio com um cobertor. 

Quando chegam em Salvador, Isadora deslumbra-se com o lugar, e a chama da esperança de viver dias melhores reacende seu ânimo. 

- Você precisa de um banho, trocar essa roupa, descansar. Vou te levar na casa de uma grande amiga minha, que vai cuidar disso tudo – disse João. 

A fachada da casa era discreta. E foram bem recebidos por uma senhora bem vestida e simpática.  João logo contou abreviadamente o que havia acontecido com sua protegida. 

- Menina, me chamo Branca. Vem, vou cuidar de você – disse a dona da casa. 

Ao adentrar a casa, Isadora observou que havia muitos cômodos, e conversas no interior das portas... “Aqui é uma pensão?”  – perguntou ela. 

Dona Branca riu...

– Vem, menina, precisa de um banho, comida e sono. Vou te mostrar onde fica o banheiro. E ver uma roupa pra você. Depois conversamos. 

Isadora ficou acomodada no quarto, onde recebeu sua refeição. O quarto era pequeno, mas organizado, limpo e com janela. Ela adormeceu no cair da tarde, até o outro dia. Então, buscou pela dona da casa, e adentrou na sala cheia de jovens mulheres conversando, cerca de umas quinze e suspeitou... Aqui é um...

- Sim. Aqui é um cabaré. Não tão famoso quanto o Bataclan, que é o cabaré mais famoso de Salvador, mas distinto e cheio de amor para oferecer. - disse dona Branca. 

As meninas riram.

- Eu não quero ser uma prostituta. 

- Calma, minha filha. Ninguém vai te obrigar a nada, não. Senta, coma, daqui a pouquinho João vem te buscar. Ele quer te mostrar a cidade. 

- E depois? 

- E depois você volta. Se quiser... 

João, com alegria mostrou a bela Salvador à gaúcha dos pampas, que entusiasmou-se com a beleza do lugar. 

Seus olhos atentos não deixaram escapar os detalhes das paisagens daquela Salvador cheia de novidades... E de pessoas agradáveis, simples e sorridentes.

Estava assustada com o fato de ter ido parar num cabaré. Seu coração ficava apertado de pensar na possibilidade de ter se livrado de um canalha para cair nas garras de vários canalhas iguais ou piores do que o Fábio. Mas as paisagens das ruas dispersaram seus temores. Ao se aproximarem da igreja do Bonfim, cânticos à Iansã lhe tomaram todos os sentidos. E ela sorriu.

 Coro de vozes:
Iansã rainha da terra
Oh, Iansã rainha do mar
Tu és a senhora dos ventos
E dona do seu jacutá...   
 
- É procissão em homenagem à Santa – disse João. 

Muitas pessoas, especialmente mulheres vestindo branco e vermelho, com o peito enfeitado de colares de conta, cercavam o cortejo que levava a imagem de Iansã até Mãe Menininha do Gantois. No terreiro, era dia de homenagem à Santa guerreira dos raios. Mas Isadora não sabia quem era Mãe Menininha e nem do que se tratava "um terreiro". Então, pacientemente, João lhe explicou tudo. 

- Vó Gorda disse que Iansã é minha protetora. 

- Vó Gorda?   - perguntou ele.

- É o anjo protetor da minha morada. 

Quando a procissão se distanciou do cenário que tem como protagonista a bela imagem da Basílica do Senhor do Bonfim, eles entraram no templo e fizeram algumas preces em silêncio. Na saída João lhe comprou uma fitinha do Bonfim, que é vendida num mural do lado de fora da igreja. Instruiu Isadora de como fazer um pedido e amarrou a fita no pulso da moça. 

 - João, estou feliz e muito agradecida com teus cuidados e com a beleza deste lugar, mas estou hospedada numa casa onde as moças ganham o pão de cada dia se prostituindo. Elas me fazem lembrar meu pai que destruiu a família torrando dinheiro com mulheres da rua.

- Não as chame assim. Elas não são mulheres da rua. São simplesmente mulheres. Não sinta raiva dessas moças. A maioria delas não faz programa por gostarem. Muitas até nojo sentem de seus clientes, homens autoritários, bêbados, e que por vezes as agridem fisicamente. Elas são meninas que vêm da extrema pobreza, sem instruções, sem oportunidades... Que para sobreviver, tiveram que escolher entre a vida no crime ou fazer a vida nos cabarés onde foram acolhidas. Parecem alegres, mas no fundo são tristes. Você não será obrigada a nada. E logo vou te arranjar um trabalho bom. Mas agora chega de prosa. Tô com o bucho vazio. Vamos comer um acarajé na barraca da baiana? – disse apontando para uma barraquinha colorida. 

 - Nunca comi, mas pelo cheiro, deve ser gostoso. 

- É uma das delícias da Bahia. 

- Sem querer abusar da tua boa vontade, posso fazer um pedido?

- Pede, moça.

- Me leva ao terreiro da Mãe Menininha? 

- Oxente! Levo, sim – disse espantado. 
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continua...
Fonte: Texto enviado pela autora 

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