Um magnífico carrilhão no canto de vetusto salão no casarão da tradicional família paulistana entoa seu maravilhoso som, informando as horas.
Os ponteiros entreolharam-se. “O das horas” diz ao outro que hoje completavam 100 anos de existência e que está muito cansado.
O “ponteiro dos minutos” retrucou, afirmando que ele se movimentava 60 vezes, enquanto o outro fazia isso somente uma vez, e que por causa disso, estava muito mais extenuado.
Ambos concordaram que devido a esses fatos mereciam um descanso, e resolveram parar sua centenária labuta.
Sem a percepção do porquê, instalou-se o caos na residência. A cozinheira atrasou o almoço, consequentemente o marido chegou tarde ao escritório de sua empresa.
A esposa deparou-se com os portões da escola fechados ao levar os filhos para as aulas, e assim não pôde ir trabalhar.
O filho adolescente nem notou a alteração de horário porque nunca ia à aula na USP. Assim, continuou entretido em seu videogame.
Ao retornar, a família procurou entender a razão desta repentina e inesperada alteração do cotidiano.
Todos os olhares voltaram-se ao lindo e esquecido relógio, e então, perceberam que, inconscientemente, todos eles se guiavam pelo som emitido nas horas, sempre com a precisão suíça, sem sequer dirigir o olhar para ele.
Talvez, pela primeira vez, tenham entendido o valor do carrilhão em suas atarefadas existências.
Nesta mesma noite, os ponteiros entreolharam-se novamente e um deles disse que havia valido a pena parar, pois além do merecido descanso após tantos anos, haviam recebido um afago do dono ao acertar as horas.
Quinze para as três da madrugada, um observador atento poderia identificar um largo sorriso no mostrador do relógio.
A partir desse acontecimento, quase todos na casa passaram a olhar com mais atenção e puderam então apreciar a beleza do esplendoroso relógio, o que envaideceu os diligentes ponteiros.
A exceção fica por conta do jovem aluno da USP que nada notou e continuou absorto em seu videogame.
Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor
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